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Eduardo Lourenço, o olhar adulto sobre a criança Portugal

Cumprindo-se o termo da vida de Eduardo Lourenço, o seu legado como pensador de Portugal precisará de ser equacionado e os seus materiais revistados para que deles possamos nos alimentar. Arrisco-me a dizer que pouco ou quase nada de Lourenço passou para a cultura portuguesa não académica, mantendo-se plenamente vigentes os paradigmas mitológicos da visão do coletivo e da nossa história.

Como em muitos outros países, temos uma geografia de afetos que alimenta as mitologias pátrias e que cria os lugares comuns que com charme nos atraem e justificam a existência. Por exemplo, e pegando na ironia de Eduardo Lourenço ter falecido no dia 1 de dezembro, “Dia da Independência”, dia tão propício a formações nacionalistas, esquecemos que essa revolta e a posterior guerra só teve lugar, e obteve sucesso, porque Espanha tinha em mãos uma outra revolta na península, iniciada a 7 de julho na Catalunha e, sorte a nossa, optou por centrar os seus esforços nesse rico e estratégico ponto de ligação ao mediterrânea e a França, deixando Portugal para segundo plano… Mas esta versão não alimenta o sentido patrioteiro…

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É, nas palavras do pensador, imagem perfeita d’“o irrealismo prodigioso da imagem que os Portugueses se fazem de si mesmos” (O Labirinto da Saudade), numa ânsia de heroicidade, de destino e de missão. A leitura da História tem sido, na nossa cultura, um labirinto em que nos embrenhamos num percurso solitário de busca de sentido, revisitando o passado para imaginar futuros que acabam por não se cumprir: “falta cumprir-se Portugal”, dirá Pessoa.

Das mitologias de origem, seja com os Lusitanos como povo de onde descendemos, seja com a própria Lusitânia como unidade geográfica, passando pela personagem “super-homem” do primeiro monarca e o papel estruturante e estratégico da Ordem do Templo, às leituras da função e missão na História, com nomes como Bandarra, Fernando Oliveira, Pe. António Vieira, Pessoa ou Agostinho da Silva, aterramos ciclicamente, quer no messianismo, quer no V Império como formas de entender este estranho milagre de Portugal se manter ao longo, para já, de mais de oito séculos, um feito memorável e um pouco inesperado no quadro das alterações geopolíticas de uma Europa que viveu sempre em guerra.

Poéticas, cheias de força e prenhes de simbolismo, as leituras da História de Portugal criaram uma própria natureza de pensamento, tantas vezes âncora dos nacionalismos mais perigosos e doentios, isolacionistas, e nada isentos na análise.

Eduardo Lourenço foi o analista racional, académico, desse desejo literário de cumprir uma missão, de ter um lugar num mundo que parecia, e parece, nos fugir. Somos, acima de tudo, mais que geográfica ou étnica, uma realidade literária como nação. Foi esse um dos grandes ensinamentos de Eduardo Lourenço, mostrando a própria natureza do tempo, de datação de ideias e de ideologias, nos discursos identitários.

Analisou a poesia e percebeu como nos queremos mover num poema, num soneto de Camões ou uma estrofe de Bandarra, mesmo que na fruição dessa beleza nos desliguemos do mundo, quais eremitas que escolhem a Ilha dos Amores, pensando ter visto aí o Fim da História – o problema é que não percebemos que era uma “ilha”, isolada, e não um continente, onde tudo acontece.

Paulo Mendes Pinto

 

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