De que está à procura ?

Colunistas

Dupla tributação internacional em Portugal (2019)

Enquadramento

A dupla tributação internacional constitui um dos maiores obstáculos às relações comerciais e de investimento transfronteiriças e, também, à liberdade de circulação de pessoas, bens, serviços e capital no quadro da União Europeia (“UE”). A necessidade de eliminar ou atenuar a dupla tributação internacional tem-se tornado cada vez mais decisiva e, inclusive, uma eventual vantagem competitiva, no actual contexto económico internacional dominado pelas novas tecnologias, digitalização e crescente globalização.

Tendo em vista a remoção ou atenuação dos referidos obstáculos, os Estados procuram regular e definir a distribuição de direitos de tributação em situações em que há transacções transfronteiriças.

Conseguem, assim, atenuar parte da fuga de capitais e atrair investimento, ao mesmo tempo que fortalecem os laços (económicos e outros) entre os Estados contratantes, constituindo, assim, um importante eixo para a consolidação de Portugal como uma Plataforma de Investimento

Convenções de Dupla Tributação

Portugal, como membro fundador da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (“OCDE”), tem, já, uma longa história e experiência na celebração de convenções de dupla tributação (“CDT”), baseadas na Convenção Modelo da OCDE, cuja última versão se reporta a 18 de Dezembro de 2017. A rede de tratados fiscais portuguesa expandiu, já, para 80 países.

Estes acordos bilaterais visam a eliminação ou redução da dupla tributação (jurídica) internacional, não só através da imposição de restrições aos direitos e taxas de tributação (e.g. dividendos, juros e royalties) dos próprios Estados contratantes, designadamente o país da fonte do rendimento, mas também através da obrigação que impende sobre o país de residência de conceder uma isenção ou crédito fiscal pelos impostos pagos no país da fonte.
(veja aqui uma Tabela Prática, actualizada, das CDTs celebradas por Portugal).

Instrumento Multilateral (“MLI”)

A Convenção Multilateral para Prevenir a Erosão das Bases Tributáveis e a Transferência de Lucros (“MLI”), uma das respostas internacionais saídas do Projecto Base Erosion and Profit Shifting (“BEPS”), constitui um mecanismo de reacção conjunta contra a certas práticas conducentes à erosão da base tributária e transferência de lucros e práticas abusivas no contexto das CDTs. 85 Estados assinaram ou já manifestaram a sua intenção em ficar vinculados pelos termos do instrumento, não estando excluída a possibilidade de mais adesões.

O MLI constitui um Tratado Multilateral quase inédito a nível internacional, tendo sido redigido de forma particularmente flexível, permitindo às jurisdições partes a possibilidade de:
i. indicar as CDTs às quais o MLI se aplicará;
ii. escolher uma das disposições relativas à uma norma minimal;
iii. aplicar as disposições facultativas, suplementares ou alternativas; e
iv. formular reservas, ou seja, excluir a aplicação, de parte ou totalidade das disposições do MLI.

Para além disso, o MLI, em certos casos, altera a terminologia e, inclusive, o título das CDTs, ou altera a forma de aplicação de certas disposições, noutros casos, substitui ou introduz disposições nas CDTs e, noutros casos, ainda, revoga certa disposição da CDT, sendo directamente aplicável, em paralelo à CDT.

O impacto do MLI sobre as relações entre as jurisdições signatárias dependerá das posições dos respectivos Estados quanto à aplicação do Instrumento. Não obstante, neste momento já é possível antecipar que a maior parte das CDTs celebradas por Portugal venham a ser afectadas.

Um dos impactos visíveis, conforme se salienta, na Tabela Prática em Anexo, reside na consagração, com a entrada em vigor e produção de efeitos do MLI quanto a cada CDT, de uma regra geral anti-abuso (principal purpose test) em quase todas as CDTs celebradas por Portugal.

Directivas da União Europeia

Certos aspectos da tributação directa (sobre o rendimento) encontram-se harmonizados na UE, particularmente através de um conjunto de directivas:
i. a Directiva Mães-Filhas, que pretende eliminar a dupla tributação internacional no contexto de investimentos não-portfólio.
ii. a Directiva Juros e Royalties, que permite a eliminação de dupla tributação no pagamento de juros e royalties entre empresas associadas ou dependentes entre si;
iii. a Directiva Fusões que procura remover obstáculos fiscais nas restruturações transfronteiriças, incluindo fusões, cisões, transferência de activos e troca ou permuta de participações;
iv. a Directiva Anti-elisão (“ATAD 1” e “ATAD 2”) veio harmonizar certas normas relativas à elisão fiscal, erosão da base tributária e transferência de lucros para outras jurisdições; e
v. a Directiva de Resolução de litígios em matéria fiscal, visa, em termos gerais, alargar o âmbito objectivo e subjectivo da resolução destes litígios e tornar mais dinâmico, eficiente e célere o Procedimento de Mútuo Acordo, que deverá ser decidido pelas Administrações tributárias no prazo de 2 a 3 anos.

Liberdades Fundamentais da União Europeia

As liberdades fundamentais vigentes no Tratado da UE são a pedra angular do mercado interno europeu. Nas partes em que não é alcançada harmonização na tributação directa, estas liberdades fornecem, através da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, uma maior amplitude de direitos na União Europeia no domínio dos impostos directos e, particularmente, no que respeita à dupla tributação internacional.

Se a liberdade de circulação de capitais for aplicável, os países terceiros (não membros da UE/EEE, entre outros Estados) podem também beneficiar das decisões do Tribunal de Justiça, o que amplia imenso o seu alcance.

Mecanismos unilaterais de eliminação da dupla tributação

Na ausência de um acordo especial, tal como uma CDT, Portugal não deixa de conceder, unilateralmente, uma redução ou a eliminação da dupla tributação internacional aos contribuintes residentes.

Tanto as pessoas singulares, como as colectivas, podem beneficiar de um crédito fiscal relativo à dupla tributação internacional. Neste quadro, Portugal concede um crédito aos contribuintes residentes correspondente ao menor dos seguintes montantes: i) o imposto devido em Portugal; e ii) o imposto pago no outro Estado. No caso de empresas, o montante deste crédito é aferido por país de origem.

No que respeita a pessoas singulares, importa salientar o caso dos Residentes Não Habituais em Portugal, um estatuto especial de residência que confere isenções sobre rendimento de fonte não português.

Pode, ainda, aplicar-se, uma isenção de retenção de imposto na fonte quando uma empresa residente distribui dividendos a uma empresa associada que seja residente num Estado-Membro da UE/EEE ou num país com o qual Portugal tenha concluído uma convenção de dupla tributação e estejam em funcionamento mecanismos de troca de informação, para além de outros requisitos.

Portugal também oferece o chamado regime de participation exemption, aplicável a empresas residentes em Portugal que recebe dividendos ou realiza mais-valias com origem numa empresa associada (participação mínima de 10%).

Por fim, no que toca à Zona Franca da Madeira há certas normas especiais que podem ser aplicáveis a empresas licenciadas ou a licenciar que se enquadrem no regime especial da zona franca e aí desenvolvam a sua actividade.

Transparência e troca de informações fiscais e paraísos fiscais

A transparência e a estrutura troca de informações fiscais e financeiras têm sido alvo de profundos desenvolvimentos, não só a nível europeu, com as denominadas Directivas DAC 1-6 e, bem assim, a introdução do Registo Central de Beneficiários Efectivos, mas também a nível internacional, designadamente com o fortalecimento da Convenção Multilateral sobre a assistência administrativa mútuo e de procedimento de peer review, tendo em vista o estabelecimento de elevados standards internacionais.

Estes desenvolvimentos, visando uma tributação mais justa e o aferimento da verdade, potenciam, por um lado, o risco de serem espoletadas inspecções tributárias e emitidas liquidações oficiosas, em especial no caso de fluxos de transacções com paraísos fiscais, até 12 anos.

Lisboa, 10 de Janeiro de 2019

Rogério M. Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Jorge S. Lopes de Sousa
Margot Lopes Martins

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA