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Crónicas de Lisboa: Brexit e a incompetência dos políticos

O Brexit está a revelar-se um triste e dramático folhetim que seria uma ótima comédia, se não representasse uma dramática ameaça para o povo britânico, mas também europeu, pertencentes ou ainda não à União Europeia (UE). E tudo começou por um incompetente político que prometeu referendar a permanência ou a saída da Grã-Bretanha (GB) na UE, mesmo que não pertencendo à Zona Euro (ZE), isto é, a GB entrou na UE mas não aderiu à moeda Euro e ficou, assim, com um poder que os países da ZE não têm, isto é, o poder de criarem a sua própria moeda e usá-la em certas estratégias , como intervenções na taxa de juros ou desvalorizações da moeda, para regular a sua economia, mecanismo vedado aos países da ZE, na qual se inclui Portugal, que têm que se submeter às regras da moeda Euro.

Cameron, então Primeiro Ministro do Reino Unido e para contentar os descrentes e antieuropeístas existentes no seu partido e na sociedade do Reino Unido, avançou com um referendo a toda a população do Reino Unido (Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales, nações que constituem o Reino Unido, porque este conceito é mais amplo do que Grã-Bretanha que se referiria apenas à grande ilha Britânia e que não inclui as duas parte das Irlanda, uma delas – a do Norte – pertencente ao Reino Unido). Não avaliou as consequências de colocar no povo uma decisão tão importante para muitos milhões de cidadãos britânicos e não só. Referendar algo de tamanha importância para o presente e o futuro duma nação é uma atitude de políticos sem visão de Estado e também duma das maiores incompetências, face à enorme importância que o Brexit tem e terá no Reino Unido e na própria Europa, porque vem por em causa um projeto de união, embora a UE possa subsistir e continuar a crescer sem o Reino Unido. Naquele ato irrefletido de Cameron, que tem vindo a revelar-se num enorme “quebra cabeças”, pode concluir-se que e apesar de se pugnar pela democracia como “poder do povo” , há decisões que não podem “descer à rua” e devem, pois, ser tomadas pelos políticos eleitos que têm os instrumentos e os saberes e conhecimentos que o povo não tem para decidir com autoridade que não apenas a do poder do seu voto, igual para os letrados e os iletrados. Seria bom se as sociedades estivessem de tal modo desenvolvidas para que os seus cidadãos pudessem votar com pleno saber e competência sobre decisões tão importantes para a sua nação. Faltarão muitos e muitos anos para que isso possa vir a acontecer. Até lá, têm que ser os políticos, devidamente eleitos, a decidir em plena consciência pelos interesses do Estado e do seu povo e não cobarde e incompetentemente, “delegar no povo” a sua falta de visão de estadistas.

O exemplo de todo o imbróglio que se tem revelado o processo do Brexit deixa-nos atónitos e a pensarmos como foi possível decidir em referendo a saída do Reino Unido da UE sem que os políticos da Reino Unido e da UE soubessem sobre consequências daquele ato, porque, pelos vistos, entrar é fácil, mas sair é muito complicado. Alem disso, o Reino Unido não se revelou, neste processo (referendo e processo de saída) nada “unido” pois na Escócia e na Irlanda do Norte a votação foi pela permanência do Reino Unido na UE e, mais fraturante ainda na Irlanda porque na ilha existem duas nações e, segundo as regras da UE, as fronteiras foram “abolidas” no que diz respeito à livre circulação de pessoas e bens e, nestes anos de permanência conjunta, desenvolveram-se relações difíceis agora de desfazer, porque tudo voltará ao tempo das fronteiras reais que as pessoas rejeitam, depois dum período de habituação a uma realidade bem diferente.

Apesar de Cameron, que, entretanto, “desapareceu de cena” ter prometido e executado o referendo e face a tamanha dificuldade em avançar com a saída do Reino Unido da UE, não conseguem ver os acuais políticos no Governo da Reino Unido (Theresa May como PM) que repensar a saída pode ser um enorme ato de Estado e de estratégia em prol da Reino Unido e duma Europa que se deseja forte e não fragmentada, face aos “inimigos” (USA, Rússia, China, etc) que desejam uma UE fraca ? Ao contrário do que defendem os democratas que dizem que se deve respeitar a vontade soberana do povo e que, no seu conjunto de Reino Unido votou, ainda que ligeiramente (52 % ! dos votos válidos) , pela saída da UE, persistir num erro e num ato irrefletido como foi o referendo pode ser considerado um erro histórico para a Reino Unido. Neste tempo de negociações com a UE, todos terão aprendido muito e estarão agora mais habilitados do que estavam aquando do referendo em junho de 2016, pelo que decidir pela permanência, em novo referendo ou por decisão do Governo e do Parlamento, poderia revelar-se um enorme ato de Estado, esse sim, a ficar na história pelas melhores razões e não pelas piores se o Brexit for avante. Aliás, as manifestações e uma petição de milhões de cidadãos no Reino Unido, bem como os imigrantes ali residentes e dos cidadãos britânicos residentes em países da UE, por exemplo no Algarve, têm vindo a exigir um novo referendo, na esperança de que o “povo decida” de forma diferente da anterior, agora que já “cheirou” os enormes problemas que advirão, se a sua votação (decisão) anterior se mantiver. Corrigir um erro com outro referendo seria apenas “anular” ou confirmar que o povo do Reino Unido estará disposto a “suicidar-se” coletivamente como nação.

Seja qual for a decisão, este processo do referendo e da eventual saída do Reino Unido da UE é uma grande lição para muita gente, mas, acima de tudo, para os políticos populistas, de esquerda e de direita, que na sua ânsia de serem “reis num quintal” e ali exercerem o poder, colocam em causa a democracia a coesão dos países e os interesses dos seus cidadãos. São muitos os exemplos que me dispenso de mencionar, mas a Catalunha é o mais relevante ou de outros que ameaçam sair da UE. O povo que esteja atento e, com o seu voto, decida por políticos que defendam e tenham uma estratégia de elevado interesse de Estado e da Europa, porque quanto mais forte ela for, melhor será para os europeus, face a potências emergentes que fazem perigar o equilíbrio geopolítico do mundo. Ou continuará a Europa a depender da proteção dos Estados Unidos?

Serafim Marques

Economista

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