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Crónicas de Lisboa: bilhetes postais a preto e branco

Porque são muitos os bilhetes postais que poderemos ir “fotografando” por aí, eu tinha prometido que continuaria com este tema iniciado na crónica anterior. Assim, aqui vão mais bilhetes postais.

Arrumadores de carros

Naquela crónica “enviei” bilhetes postais coloridos e outros a “preto e branco” que, neste caso, as cores “negras” significam situações que não deveriam existir numa sociedade desenvolvida, isto é, os “sem-abrigo” e os “arrumadores” de carros, este não são mais do que pedintes que usam um expediente que já tem algumas décadas. No passado havia os guardas dos parques de estacionamento, normalmente gratuitos, e que ali permaneciam fardados e registados nos antigos Governos Civis. Guardavam mesmo as viaturas ali estacionadas e, normalmente, eram “pagos” com uma gratificação que o automobilista lhe atribuía no final do “serviço prestado”. Mais adiante, esses e outros espaços passaram a ser explorados pelas autarquias e empresas por elas criadas (EMEL, em Lisboa; a EPorto, na cidade do Porto, etc) e surgiram estes novos “arrumadores” que nada fazem de útil, mas que um pouco “coercivamente, vão colhendo umas moedas, às vezes bons proventos, que depois e infelizmente, gastam em vícios. As autoridades assobiam para o lado, apesar de algumas tentativas de “regular” esta “atividade” que, diga-se, nada acrescenta. Aqueles que ousaram, como foi um antigo presidente de câmara (do Porto – Rui Rio), foram “crucificados” na praça pública e, deste modo, continuamos a assistir a este triste espetáculo que ninguém põe cobro. O automobilista acaba, em muitas situações, a pagar duas vezes, isto é, ou paga pelo parquímetro e ou “paga” ao arrumador que depois vai à procura de outro “buraco”, para naqueles movimentos típicos “ajudar” o automobilista a estacionar.

Algumas autarquias, como é o caso de Lisboa, foram alargando os parquímetros pagos por toda a cidade, com algumas poucas exceções e, nestes casos, porque as Freguesias, agora com outros poderes e responsabilidades, se opuseram porque pretendem ser comparticipadas em parte das receitas e que aquela, a Câmara Municipal de Lisboa, utiliza para financiar o défice de exploração da Carris (empresa pública com os autocarros e carros elétricos). O automobilista ou o seu automóvel é uma “Cash Cow” (*) do OE e das empresas municipais que exploram os espaços de estacionamento, pelos impostos que incidem nos combustíveis nas viaturas e também nos parquímetros, como receita camararia, pois já quase não há locais onde eles não existam. E ai se o automobilista se excede no tempo ou se “esquece” e logo aparecem “zelosamente” os funcionários a bloquearem a viatura e remove-la para um parque afeto a este “trabalhão”. Já fui vítima desse zelo e já observei, em várias autarquias, a situações bastante embaraçosas.

“Cash-cow” é um termo anglo-saxónico e aplicado na gíria empresarial e financeira e que, grosso modo, significa a “vaca leiteira”, aquela que dá leite suficiente para permitir que as mais novas (podem ser produtos novos em lançamento no mercado, etc) possam sobreviver e crescer para, mais tarde, elas próprias também serem umas “cash-cows”. Neste exemplo que aqui cito, a “cash-cow” é o automóvel e o “leite” corresponde à enorme carga fiscal que incide sobre o automóvel, incluindo as portagens. E quando a vaca emagrecer, donde virá depois o leite para alimentar tantas e tantas políticas de afetação destas receitas? Por muito que se goste, não vão ser a bicicletas/trotinetas e afins que vão gerar receitas, bem pelo contrário.

Os sem-abrigo

O caso dos “sem-abrigo” é mais complexo, com muitas situações dramáticas de degradação e destruição humana, mas também as “autoridades assobiam para o lado”, mesmo que o atual PR-Presidente da República, de tempos a tempos, levante a voz, mas como não é ele quem governa, fica tudo em “aguas de bacalhau” até às festas natalícias ou numa vaga de frio ou…de calor. Logo surgem recursos para salvar estes deserdados das sociedades desenvolvidas e que, por isso, é inadmissível que ela (sociedade) “tolere” estas situações.

Crescente animalização (Povoar de animais, in Dicionário Priberam)

Ouso afirmar, porque é o que observo, daí mais este bilhete postal e “a preto e branco”, que é mais fácil utilizar recursos, mesmo aqueles gratuitos dos voluntários, na vertente “animais de estimação e domésticos”, do que nos apoios aos “sem-abrigo” e às próprias crianças. É não só uma atitude individual, mas também das autoridades governativas: autarquias, que utilizam recursos escassos na construção de recintos de diversão para cães e seus donos, enquanto nos parques para crianças apresentam estados de degradação e de abandono; Governo e partidos que vão legislando a favor dos animais que parece, em muitos casos, cair no ridículo. O PAN usa o seu poder como fiel da balança parlamentar, para obter do governo do PS recursos e leis em defesa dos animais. Recentemente, o governo anunciou a inclusão no OE de uma verba de vinte milhões de euros para ajudar as famílias carenciadas com os seus animais de estimação e no apoio à construção de centros de acolhimento…de animais! Assim, “paga “ao PAN os “favores” que este partido exerce no equilíbrio parlamentar e, muito importante, é mais fácil “caçar votos” com políticas com os animais de estimação do que com políticas de apoio à maternidade de humanos (atente-se de que há mais de 2,6 milhões de animais de estimação registados no SIAC e destes 2, 4 milhões são cães. No ano de 2020 foram inscritos mais 600 mil animais de companhia, o que resultou num acréscimo generalizado de cerca de 31%.) e até os autarcas sabem que mais facilmente captam votos se os “beneficiários” forem os donos dos animais. Existem muito mais animais de estimação do que crianças, pelo que quaisquer medidas referentes a estes “super seres” (há quem lhes chame menina/o, filha/o, etc, porque dizer cão ou cadela não é fino) alcançam vários milhões de portugueses. E se elas forem na linha do “endeusamento”, então os donos e eleitores agradecem. O negócio em torno dos “animais de estimação” já releva números sigificativos mas, acima de tudo, nos valores das importações. É já um filão o negócio em torno  do “mundo animal de estimação”. A crescer ainda ou surgirá uma crise que abalará esta “moda”?

Nesta crónica, a minha “máquina de memória dos bilhetes postais ilustrados” não larga a cor preta, e ainda tenho mais bilhetes postais a preto e branco, para enviar. Faltou-me o espaço na “caixa do correio”, pelo que fica para a próxima “mala postal”…

Serafim Marques

 

 

 

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