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Copo ao fim do dia

Uma das vantagens que já fui referindo de viver no Luxemburgo prende-se com a sua centralidade. Apesar de ser um país pequeno, o facto de se encontrar no meio de tantos outros países, tornam-no uma plataforma de passagem para diversos destinos. Juntando a essa questão, a inexistência de fronteiras na União Europeia, revela-se quase impercetível a um viajante em que país se encontra quando viaja nesta zona do globo.

Na realidade, essa característica geográfica torna-se um traço que distingue claramente a vida em Portugal da vida no Luxemburgo. Estando Portugal localizado num canto da Europa, não será assim tão comum a variedade de culturas e pessoas provenientes de países diferentes. Muito menos será normal a alguém que viva em Portugal ir passar todos os fins-de-semana a outro país, seja em lazer, seja para visitar a família, ou para regressar por uns dias à sua cidade natal.

Porém, no Luxemburgo isso é, logicamente, algo comum. Diria que mais de metade das pessoas com quem me relaciono desde que aqui cheguei “vão a casa” no fim-de-semana. Fazem-no com a mesma naturalidade e regularidade que, em Portugal, um estudante o faz se for do Porto, mas estudar em Lisboa ou Coimbra. Aqui, apesar da dimensão tremendamente menor do país em comparação com Portugal, a oferta de serviços, compras ou viagens torna-se bastante maior. É fácil para alguém que não encontre o que necessita no Luxemburgo, deslocar-se a França, à Alemanha ou Bélgica para encontrar uma solução. Tão fácil como é para alguém do Porto ir jantar a Braga.

Outro ponto interessante desta vantagem que é viver no centro da Europa, trata-se das pessoas que se conhece. Na verdade, penso que para qualquer pessoa que viva no Luxemburgo, é perfeitamente normal ter no seu circulo chegado, gente dos mais variados países. Esta realidade, permite que, ao longo do tempo, se entendam melhor as reações, comportamentos e hábitos de diferentes sociedades. Não só especificamente em relação às pessoas com quem nos relacionamos mas, mais importante, permite que a mente se abra e a sensibilização para comportamentos diametralmente opostos aos nossos sejam encarados com naturalidade. Não sei, na verdade, qual a opinião de quem nasce no Luxemburgo acerca deste tema mas, penso eu, crescer neste ambiente diversificado será bastante estimulante e enriquecedor.

Gostando bastante de viajar e de conhecer novos países, não poderia deixar de aproveitar esta oportunidade. Após ter adquirido uma noção relativamente completa do Luxemburgo, optei por iniciar a minha série de descobertas pela Bélgica. Tinha, na verdade, sentimentos opostos em relação à visita como turista a este país. Por um lado, há muito que queria ir a Bruges. Por outro, nunca tinha visto Bruxelas como um destino assim tão apetecível.

Numa primeira incursão, Bruges alcançou as elevadas expectativas. Apesar de exageradamente turística, é difícil ficar indiferente a uma cidade com esta beleza e bastante aconchegante. Mais do que de dia, penso que é uma cidade ideal para saborear depois do anoitecer. As luzes e os seus reflexos nos canais tornam a cidade ainda mais misteriosa e pitoresca. Para além disso, o ruído das centenas de turistas e dos inúmeros alunos que durante o dia enchem a cidade desaparece, permitindo saborear de outra forma cada recanto. Nesta primeira incursão, visitei também Gent. Maior que Bruges e uma cidade que, percebe-se, é mais do que uma atração turística. Com tudo o que uma grande cidade tem mas, ao mesmo tempo, com um centro histórico que vale a pena percorrer e aprender com a História que se escreveu em cada esquina.

Numa segunda visita ao país, dediquei-me então a Bruxelas. Confesso que não era uma cidade que me despertasse um elevado interesse. Como já referi noutros textos, não sou adepto de grandes metrópoles. Porém, Bruxelas pareceu-me ser muito mais do que um centro de decisões da União Europeia. Com um centro histórico engraçado e onde vale a pena perder-se por umas horas, não senti que tivesse, na verdade, inúmeros pontos de atração turística. No entanto, talvez seja mesmo esse o encanto da cidade.

Em Bruxelas, mais do que andar de mapa em riste saltando de ponto em ponto, deve-se esquecer tudo isso. Aliás, o melhor mesmo será arrumar em poucas horas os sítios obrigatórios para a fotografia, como o Atomium ou o Manneken Pis. Após cumprir essas obrigações, o ideal será entregar-se à verdadeira cidade, aos seus bairros e recantos.

Do pouco tempo que passei em Bruxelas, senti que a oferta cultural era realmente proporcional ao tamanho da cidade. Desde o mais clássico ao mais alternativo, passando por todo o tipo de raças, credos, ou orientações sexuais. Em Bruxelas, há espaço para todos e ninguém parece muito preocupado com isso. Admito que estas sejam características coincidentes com qualquer grande cidade no Ocidente. Porém, aqui, senti essa proximidade mais patente.

Para o fim, o que mais apreciei na capital Belga foram mesmo os seus inúmeros mercados. Mercados para tudo, para nada e para mais alguma coisa. Em diversas praças da cidade poderá deparar-se com um local para comprar frutas e legumes como, no quarteirão seguinte, poderá encontrar um móvel ideal para mobilar a sua casa, ou aquela coleção de talheres que tanto necessita. As pessoas fazem as compras na rua, num comportamento que, achava eu pela amostra de Portugal, se tinha perdido.

Ao fim do dia, as praças são invadidas pelo burburinho de grupos de amigos que se reúnem animadamente para uma cerveja antes de regressar a casa. Já ao fim de semana, toma lugar o cheiro da fruta e dos legumes frescos misturados, aqui e ali, pelo odor das famosas batatas fritas ou waffles. Esta mistura de gostos, sabores, cheiros e ruídos poderia parecer, á primeira vista, desagradável, no entanto, tudo conflui com uma natural harmonia.

Este traço que será algo cultural tem um impacto ainda maior pelas incidências e problemas que a Europa atravessa. Em Bruxelas, sente-se a presença clara e bem vincada não só da polícia, mas de militares armados e prontos a atuar. Esta é a nova realidade que se vive nas grandes cidades. A guerra deixou de se fazer em campos de batalha e faz-se agora um pouco por toda a parte.

Porém, mesmo sabendo disso e, pior ainda, tendo experienciado o terror há pouco mais de um ano, em Bruxelas, a vida continua a fazer-se na rua. As pessoas continuam a seguir as suas rotinas e a aproveitar os espaços da cidade para conviver e confraternizar. Será impossível dizer que o medo não se sente. Como já referi, a segurança reforçada está bem à vista de todos. No entanto, na rua, entre gargalhadas e copos de cerveja, entre conversas animadas e crianças a correr, ninguém lhe presta grande atenção. Talvez porque essa seja a melhor resposta que podemos dar ao medo, olhá-lo de frente e, despretensiosamente, ignorá-lo.

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