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Como um apagão desperta o seu lado estóico, ou não?

© Lusa

Tive conhecimento do apagão em São Paulo, em período de férias e trabalho internacional, o que me permitiu acompanhar à distância este apagão português, o que, estando emocionalmente mais distante da experiência real no terreno, facilita uma análise mais neutra, até porque facilita a minha visão como psicólogo enquanto cientista do comportamento.

Na manhã de 28 de abril de 2025, familiares, amigos e clientes diziam-me, por mensagem, que Portugal ficou às escuras. De manhã pelas 8h30 em São Paulo, pouco ou nada se falava aqui no Brasil, mas, nos soluços das mensagens que recebia, percebi depois que um apagão massivo, considerado pela Comissão Europeia o “mais severo em duas décadas na Europa”, paralisou o Portugal inteiro, afetando também Espanha e França.

A suposta previsibilidade e ordem social que acreditamos que temos, deu lugar ao caos. Os aeroportos encerraram, os hospitais operaram no limite, e o quotidiano, sem eletricidade, ruiu e quebrou a rotina e a previsibilidade da hora seguinte. Como psicólogo, vejo neste caos uma oportunidade para observar, conhecer e expandir o comportamento humano em crises, ao mesmo tempo que a filosofia estóica pode contribuir para melhorar a narrativa e transformar escuridão em clareza.

O Choque do Escuro
Li que eram 11h30 quando a energia colapsou de um momento para o outro. Os semáforos desligaram-se, os metros pararam, e as comunicações e Internet falharam. No Porto e em Lisboa, com quem mantive mais contacto, diziam-me que os supermercados lotaram, o pânico levou a uma corrida às caixas multibanco atrás de dinheiro vivo, e dispararam as mensagens que recebi sobre histórias da conspiração sobre a Rússia, sobre os americanos, sobre a 5° ordem mundial (ainda não descobri a 4°) e imagino que até a Skynet com o exterminador implacável do Arnold possa ter despertado mentes ainda mais paranóicas (felizmente há Stoicnet.pt).

O apagão engrandeceu a nossa fragilidade humana. A Psicologia descreve este ciclo: negação inicial (“vai voltar já”), seguindo-se a fase de raiva e depois de medo e ansiedade, como foi demonstrado pelas mensagens dos grupos que faço parte, onde misturavam frustração com humor cáustico.

Fragilidade à Mostra
Este apagão mostrou que quando a luz é apagada, não sabemos o que fazer connosco e mostra a nossa dependência do que não é essencial. O apagão expôs a vulnerabilidade dos hábitos e rotinas (ou a falta de resiliência) de uma sociedade que está hiperligada no digital e dependente de energia eléctrica. Sem energia, a sociedade civil não funciona, nem sequer sabe o que fazer com ela mesma. Esta dependência, como a ciência da Psicologia explica, intensifica a raiva e angústia, pois a natureza humana teme a perda de autonomia, mas, paradoxalmente, tende sempre a desresponsabilizar-se por ela.

A Luz da filosofia milenar do Estoicismo
O apagão obrigou a “desligar” muito do desnecessário e do que não controlamos e a priorizar o essencial do que está ao nosso alcance. A filosofia estóica oferece este caminho poderoso, pois, como digo no livro “Mudamos pelo que fazemos”, “a vida é o que fazemos com o que nos acontece”. Se Epicteto fosse vivo, diria “foca-te no que controlas: na tua mente e no que podes fazer agora, e não o apagão”. Como tudo na vida, precisamos aceitar o inevitável, como na expressão estóica amor fati, que nos permite transformar a crise numa lição de vida.

Um Futuro Mais Resiliente
A causa do apagão, ainda sob investigação e sem conclusões à data deste artigo, expôs falhas estruturais mas também ajudou a perceber a importância de ter mais e melhores planos de contingência. As empresas precisam de geradores e planos de crise robustos, para que as Pessoas saibam lidar com a imprevisibilidade sem pânico, como sugere a Psicologia Organizacional. Este apagão permite também consciencializar cada um de nós que devemos adotar práticas estóicas, como a premeditatio malorum (visualizar adversidades), para treinarmos uma mente serena face à imprevisibilidade, em vez de entrar em pânico e alimentar teorias da conspiração ou do fim do mundo que leva a desperdícios alimentares e económicos. Ao nível coletivo, a “solidariedade incrível” destacada por Ursula von der Leyen é um lembrete que a Psicoterapia Interpessoal defende e evidência enquanto modelo científico validado: as crises revelam fraquezas, mas também fortalecem as relações interpessoais e facilitam melhores escolhas.

Assim, é verdade que o apagão de 28 de abril apagou a luz, mas também acendeu reflexões.
Que o apagão nos ensine a iluminar o nosso lado estóico, a encontrar força na adversidade, influenciando as Pessoas à nossa volta com serenidade e clareza durante a escuridão.

Ivandro Soares Monteiro | PhD

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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