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Coletivo português contra “instrumentalização” da história da emigração para França

Um grupo de portugueses publicou um artigo de opinião no jornal Le Monde contra a “instrumentalização” da história da emigração portuguesa para França e contra a imagem do português como “o bom imigrante” em contraste com outros imigrantes.

O texto foi colocado ‘online’ na terça-feira, em resposta às declarações de dois jornalistas e de um académico franceses que defenderam, na imprensa francesa, que não havia violência nos bairros de lata portugueses de Champigny-sur-Marne, numa comparação com os violentos incidentes ocorridos em Champigny-sur-Marne na noite de fim de ano.

O documento, assinado pelo historiador Victor Pereira e por quase meia centena de portugueses residentes em França, argumenta que “os incidentes que aconteceram em Champigny-sur-Marne na noite de fim de ano foram instrumentalizados pelo jornalista do Figaro Alexandre Devecchio, pelo universitário Laurent Bouvet e pelo jornalista Benoît Rayski”.

O artigo começa por lembrar as declarações em causa para depois as refutar, começando com Alexandre Devecchio que escreveu na rede social Twitter que “Champigny era o maior bairro de lata de França”, com “mais de 10.000 portugueses a viver na lama” e “sem violências, nem associação a alertar contra o racismo”.

Depois, o documento recorda que, no programa “28 minutes” do canal Arte, Laurent Bouvet invocou os bairros de lata portugueses onde “não havia relações de violência”, acrescentando que o jornalista Benoît Rayski escreve, no ‘site’ Atlantico.fr, que entre os descendentes de portugueses “nenhum aprendeu a detestar a França” mas que “depois, vieram outras populações”.

“Nós, imigrantes e franceses descendentes de imigrantes portugueses, não podemos tolerar estas afirmações”, declara o coletivo, adiantando que os portugueses estão habituados “a ser instrumentalizados para atirar a pedra a outras populações” e recordando que os trabalhos do sociólogo Albano Cordeiro apontavam, nos anos 1980, “a dinâmica social que consistia em tornar invisível a imigração portuguesa para ampliar a rejeição dos imigrantes magrebinos”.

“Ou seja, quanto mais os ‘árabes’ se tornavam indesejáveis, mais os portugueses se tornavam invisíveis e, por isso, ‘integrados’. Estas imigrações estão ligadas desde sempre como duas faces da mesma moeda e unidas pelo mesmo desprezo expresso por uma parte da sociedade de acolhimento”, continuam.

A tribuna recorda, ainda, que “foi para travar a imigração argelina que o governo de Georges Pompidou fechou os olhos à vinda clandestina de centenas de milhares de portugueses nos anos 60-70” e que “à imagem do ‘árabe’, junta-se hoje a dos ‘Roms’, africanos subsaarianos e refugiados que fogem dos conflitos do Próximo Oriente”.

Por outro lado, o documento indica que “as afirmações sobre o bairro de lata português de Champigny-sur-Marne são pura e simplesmente falsas e não verificadas” porque havia uma “violência simbólica e arbitrária” a que eram submetidos os portugueses, com medo permanente de serem denunciados à PIDE [polícia política do antigo regime] e com medo de serem realojados e afastados dos seus próximos.

O coletivo escreveu, também, que “contrariamente à imagem assética que se cola aos portugueses, as autoridades temiam as suas reações” e que “os trabalhadores portugueses também sofreram a rejeição de certos vizinhos que se queixavam destes estrangeiros e exigiam a intervenção das forças da ordem”.

“A clandestinidade, a exploração, os bairros de lata, o racismo: vivemos todas estas experiências como as vivem os imigrantes africanos de ontem e de hoje e a níveis mais intensos”, continua o grupo que recorda “episódios de revolta e de combate” como o de Lorette Fonseca, uma imigrante portuguesa que militou pela alfabetização do bairro de lata de Massy e que foi ameaçada de expulsão.

Na conclusão, o coletivo de portugueses insiste que se opõe “publicamente à instrumentalização” da sua história e da sua memória “que também fazem parte da história de França”.

“Estas manipulações querem reforçar o racismo que atinge hoje algumas populações estigmatizadas, da figura do ‘muçulmano’ à do ‘Rom'”, conclui o documento.

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