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Centralismo de Bruxelas contra o regionalismo alemão

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A Alemanha, “locomotiva da Europa”, é acusada pelos defensores do neoliberalismo, de querer controlar a moeda única e esquece que os mercados financeiros se orientam pela Alemanha ou quando muito pelo eixo Franco-alemão.

A discussão pública, em torno do contencioso entre o Tribunal Constitucional Alemão (TCA), o Tribunal de Justiça Europeu (TJE) e o Banco Central Europeu (BCE), tem por base dois modelos de Europa: o centralismo de Bruxelas de cunho francês e o regionalismo de cunho alemão. A discussão pública, a favor ou contra, corresponde por um lado aos interesses de centralistas e por outro dos regionalistas. A controvérsia ameaça perder-se em questões de interesses pontuais, ao não contemplar o facto dos grandes desequilíbrios existentes nos países da EU a nível de orçamentos estatais e correspondente produtividade, económica, factores estes que levam a adiar a concretização da união comercial, aduaneira e monetária. Seria trágico se a deficitária política económica europeia justificasse um centralismo jurídico deficitário, ambos impostos por tecnocratas mais internacionalistas que europeus.

A afirmação de que o TCA, com o acórdão de 5 de maio 2020, “quer recuperar o controlo sobre a moeda única” é unilateral e não reconhece que a importância do grande empreendimento europeu e a relevância das nações terão de ser complementadas para que a EU não se torne num mero instrumento da ONU ao serviço de um globalismo demolidor de biótopos culturais e regionais com uma democracia reduzida a burocracia nas mãos de poucos, à maneira chinesa.

Devido à negligência da política nacional e europeia, o TCA sente-se obrigado a intervir na defesa do direito e do cidadão, não podendo, na consequência, aceitar que seja o BCE a determinar a política na Europa; os políticos têm delegado as suas competências no BCE que assume também a política fiscal contribuindo para a expropriação paulatina da classe média europeia. (Também os deputados alemães não têm respeitado as disposições constitucionais nacionais deixando-se levar por uma classe política de magnates distantes das regiões e a quem falta o substrato de um direito comunitário impermeável.

O TJCE, que deveria calar-se e esperar pela cobertura política, pronuncia-se também contra a decisão constitucional alemã, embora consciente de que a sua pretensa supremacia se tem dado devido ao desrespeito da supremacia dos parlamentos nacionais, que são os órgãos competentes que limitam o poder do TJCE. De facto, a pretendida supremacia do TJCE tem sido mais o resultado de cedências políticas sem base constitucional europeia. Não é legítimo nem transparente que pela porta traseira da política se concedam competências a um TJCE e a um BCE com insuficiência de justificação jurídica, como legitimamente adverte o TCA. Seria indemocrático criar-se um construto europeu não só à margem dos povos como também à margem das Constituições nacionais para assim o melhor colocar ao serviço do neoliberalismo globalista.

O acórdão do tribunal é ao mesmo tempo uma admoestação a dois destinatários: ao BCE e aos governantes que têm delegado indevidamente competências no BCE que por seu lado tem atuado fora das suas habilitações, no que toca ao sentido e objectivo dos acordos. De facto, têm sido, frequentemente, atribuídos poderes e competências à comunidade, que não estavam originalmente previstos nas próprias leis, como aconteceu em 2017, com o programa de compra de títulos de dívida dos Estados membros.

O TCA quer clareza e censura a transferência intransparente de competências embora isso esteja previsto de maneira indefinida no acordo de Lisboa onde os estados-membros continuam a ser “senhores dos tratados”. Por isso o TCA quer interromper a transferência de competências do TJCE para a instituição da UE, querendo acabar com uma certa promiscuidade entre justiça, economia e poder político que cria mal-estar na população europeia, e justifica indiretamente o temido populismo.

O que está aqui em jogo não são primeiramente os interesses dos alemães, mas sim os interesses de uma classe média europeia a ser desonestamente expropriada e de Estados a serem cinicamente desmontados ao serviço de um globalismo económico liberal e de ideologia socialista materialista. Um tal acórdão surge num país forte em que cidadãos conscientes ainda possuem força suficiente para fizeram pressão sobre a política, apelando à intervenção do TCA para fazer valer também os direitos da base. Conseguiram que este esclarecesse que a política monetária não deveria substituir a política económica porque isto está em contradição com a Constituição alemã. Os governos têm aprovado uma política sem terem examinado se o BCE com a compra de obrigações se encontra legitimado a fazê-lo em termos constitucionais.

Resumindo: governos e deputados têm agido à margem da Constituição e não se preocuparam com os interesses do país e de grande parte dos cidadãos que sofrem com uma política de taxas de juro fatal.

Também o TJUE deve manter-se dentro das suas competências que são os assuntos da UE. O plano político não se pode sobrepor ao plano jurídico que tem de respeitar a tradição europeia do direito das constituições nacionais.

Também se alega que o Tratado de Lisboa carece de ser interpretado e não garante fundamento jurídico suficiente que estabeleça o primado europeu político. O TCA está a defender os interesses legais do cidadão e como tal tem o dever de interpretar as acções do BCE para acautelar a democracia e impedir uma certa plutocracia que afirma o globalismo liberal à custa dos interesses do cidadão e do regionalismo.

A necessidade de se afirmar um plano político europeu (também através do TJCE) revela-se questionável em termos jurídicos tal como o BCE em termos de política monetária. De dois factores negativos não se pode aqui chegar a um factor positivo!

O possível factor negativo da intervenção do acórdão do TCA contra o centralismo (integração /desintegração) revela-se numa advertência séria e legítima aos actos dos políticos e à desapropriação da população produtiva nos diversos Estados membros em favor de um primado europeu político, conseguido à margem e à custa do direito das bases.

Também Merkel, por muito europeia e competente que seja, não pode passar por cima dos interesses dos seus cidadãos nem seguir um modelo centralista quando o modelo federal alemão se revela mais democrático e eficiente em questões da administração política.

A questão mais problemática a apontar será naturalmente o timing do acórdão, mas este tinha de acontecer num momento em que estão em jogo bilhões de euros e que não podem continuar a ser concedidos sem mais legitimação democrática.

O problema não está na Alemanha, mas sim no facto da Europa ser demasiado pequena para a Alemanha e no atropelamento que acontece nas economias marginais. O que muito conta são as economias e os mercados financeiros e para que os países europeus se tornem em situação equiparável à Alemanha teriam de se deixar regular por uma política económica e financeira semelhante à sua. Enquanto isso não acontecer haverá sempre uma relação insatisfatória entre parceiros empertigados e parceiros complexados.

O contencioso revela-se como muito oportuno porque não se tem considerado suficientemente a ambivalência existente entre as leis determinantes do desenvolvimento económico e as leis humanas e democráticas por que nos queremos pautar no desenvolvimento da sociedade em geral.

No contencioso entre o TCA e o TJE há razões jurídicas e económicas legítimas, dado, no fim de contas, se ter de perguntar quem é que suporta a fatura provocada pela politica do BCE de comprar Obrigações dos Tesouros nacionais e que suporte europeu tem a política do BCE (para se transformar num tapa buracos-paga-dívidas- das diferentes economias, muito embora acolitado pelo TJE). Uma outra pergunta a fazer-se seria, porque seguem os europeus uma matriz económica neoliberal que prejudica as economias menos fortes e as coloca em situação de pedintes e de consumidores em vez de se apostar numa nova organização económica. Uma outra acusação que anda no ar acusa que o TJE “ignora sistematicamente princípios fundamentais da interpretação do direito ocidental”. O Covid-19 de patente chinesa deveria acautelar-nos de um modelo mundial à la China! Temos a alternativa de podermos repensar o nosso sistema no respeito pelo regionalismo ou de sermos comidos pelos tubarões.

António da Cunha Duarte Justo

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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