
E agora diz-se por aí, que num destes dias, deste fim de semana, eu completo 60 anos de idade.
Loucuras. Insanidades de quem não sabe o que anda por aí a dizer. As contas só podem estar mal feitas porque digam o que disserem, eu não me lembro de ter vivido 60 anos.
Ainda ontem era um jovem que nem sequer se detinha a pensar em mortalidades. Que nem sequer tinha tempo para perceber que o tempo passa sempre a correr, e que na ilusão da juventude se vão desperdiçando horas, dias, anos, porque amanhã de certeza que farei tudo o que deveria ter feito hoje.
Ontem tinha sonhos, muitos sonhos para concretizar
Mas era novo e tinha tempo
Tanto que até tinha tempo de ver o tempo a passar
Ontem era eu a tempestade e o vento.
É claro que sabia, porque todos sabemos, que nada dura para sempre. Que apesar da ingenuidade da juventude não se pode negar que o tempo com que a vida nos é bafejada, tem um prazo de validade que irá expirar. Que a vida é uma benesse do Criador que nem sempre sabemos valorizar.
Ontem eu era um menino que só pensava em brincar
Tinha medo do escuro, das aranhas, e outros bichos medonhos
Depois fui jovem, pronto para o mundo conquistar
Sempre cheio de ideias, sempre cheio de sonhos.
Na rádio passou uma música de Carlos do Carmo. Lisboa menina e moça. E a sua voz tão melodiosa, tão cheia de Lisboa no timbre que a cantou como ninguém, apesar de me encher o coração de saudade, alegria e tristeza ao mesmo tempo, fez-me perceber o quão mortais somos logo desde que nascemos.
Que não importa a grandeza dos nossos feitos porque somos todos tão pequeninos na imensidão de um universo que nem sequer compreendemos.
Carlos do Carmo apesar de ter perecido irá viver com certeza bem mais anos do que grande maioria dos humanos.
Mas também ele não resistirá ao mistério do tempo, e do tempo que o tempo dura.
E à medida que esse tempo irá filtrando a sua existência e o conhecimento dessa existência, também ela se esfumará nas ondas misteriosas desse tempo que não conseguimos compreender na sua totalidade.
Ninguém aqui gosta de mim
E eu sei que a morte me irá matar
A vida como vida sempre foi assim
E não há nada que a possa mudar.
E agora dizem que num destes dias do fim de semana que agora nos está a querer devorar, que eu devo celebrar os meus 60 anos que o Divino Criador decidiu me reservar até ao momento.
Esperem aí um minuto…
Posso voltar atrás? Posso rebobinar? É que me esqueci de viver alguns, muitos dias.
Erros qualquer um os comete. E eu não quero reviver o que já vivi. Apenas quero retificar alguns pormenores. Um bocadinho aqui, um bocadinho ali, enfim…vá lá…que porra, afinal ninguém nasce ensinado, e todos merecemos uma segunda chance.
É que se assim não for, recuso-me terminantemente a celebrar. Ficarei nos 59 porque também sei ser teimoso.
António Magalhães