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Campo de Gurs, memória viva contra os extremismos

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Os campos de concentração são uma memória negra na história da Europa. Eles representam a negação da humanidade, da dignidade e de todos os direitos e liberdades. É preciso lembrar sempre que eles existiram e que nada garante que não voltarão no futuro. O Campo de Gurs, no sudoeste de França, como muitos outros que existiram na Europa, como os campos de extermínio, é uma memória viva do perigo dos extremismos e do pior que o ser humano é capaz de fazer, levando ao horror, à negação de todas as liberdades, à ignomínia da estigmatização de seres humanos. Pelo Campo de Gurs passaram 349 portugueses refugiados da guerra civil espanhola, muitos deles brigadistas envolvidos na luta dos republicanos contra o franquismo. Devemos ao Comité de Homenagem a Aristides de Sousa Mendes, sedeado em Bordéus, e ao seu presidente de sempre Manuel Dias, o impulso para o importante trabalho de reconhecimento e mapeamento dos nomes dos portugueses que lá foram internados.

Portugal e o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, homenagearam em setembro do ano passado aqueles portugueses. É um dever de memória recordar qualquer atrocidade cometida seja com que justificação for, tal como agora se faz a propósito da evocação dos 50 anos do massacre de Wiriamu, perpetrado pelo regime fascista durante a Guerra Colonial.

O Campo de Gurs foi o único que esteve ativo durante todo o período da segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945, adaptando a função do sistema concentracionário aos objetivos políticos de cada momento, desde a fase inicial de acolhimento de refugiados da guerra civil espanhola, onde se incluíram os portugueses, até ao internamento de judeus alemães e de outros países e dos chamados “indesejáveis” pelo regime colaboracionista de Vichy.

A mairie de Pau e as autoridades locais da região do Béarn pretendem agora transformar o Campo de Gurs num centro europeu da memória, com o envolvimento de vários países e da União Europeia, por ser um símbolo universal do combate contra todo o tipo de extremismos e resistência aos fascismos, devendo o projeto estar concluído até final de 2023. No Campo de Gurs estiveram milhares pessoas de 52 nacionalidades, com a vida destruída pela loucura totalitária e a invenção de inimigos para justificar as suas ações. A filósofa Anna Harendt esteve internada em Gurs.

Além do horror das deportações, merecem destaque para memória futura as práticas do regime de Vichy, sob cuja alçada o campo esteve a partir de 1940, muito particularmente o internamento de grupos específicos de pessoas por decisão meramente administrativa e arbitrária, sem intervenção judicial, conhecidos como “indesejáveis”.

Os “indesejáveis” eram vítimas da perseguição pelo sistema político e social, eram cidadãos estigmatizados. Estavam nesta categoria os judeus, dissidentes políticos, comunistas, socialistas, anarquistas, sindicalistas, pacifistas, presos de delito comum, espanhóis que fugiam do franquismo, apátridas, homossexuais, ciganos, indigentes e outros.

Estas práticas de Vichy, com a instauração do regime de exceção, mostram bem o que pode acontecer quando se começa a banalizar a estigmatização de pessoas e onde essas derivas podem levar mesmo em democracia. A partir daí tudo passa a ser admitido e fica aberto o caminho para a anulação do estado de direito e a destruição da dignidade humana e das liberdades e garantias.

Portugal está assim, também, associado à história da Europa no seu período mais negro através do Campo de Gurs. Não deixa, por isso, de ser alarmante que na Europa e em algumas partes do mundo se assista ao regresso dos movimentos e partidos extremistas e à estigmatização que caracteriza a sua ação política, como se a memória das tragédias humanas se fosse diluindo. E tudo isto aconteceu ainda nem sequer há três gerações.

Paulo Pisco

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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