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Avalizar leis iníquas

Notícia: o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) deu luz verde aos Estados-Membros para recusarem a doação de sangue por parte de homens assumidamente praticantes de sexo com outros homens.

Reações: regressando eu há dias de Sevilha a Loulé, ouvi na rádio do automóvel uma ouvinte espanhola criticar esta decisão do TJUE, porque, na medida em que propiciava a heterogeneidade jurídica de Estado-Membro para Estado-Membro, contrariava o espírito da União.

No meu entender, a decisão não pecaria por aí. A heterogeneidade jurídica nunca foi o principal fator de minagem de uma unidade nacional. Basta lembrar que, nos Estados Unidos, há leis díspares de estado para estado (em matéria de pena capital ou de aborto, para dar apenas dois exemplos). E nem por isso os Estados Unidos deixam de se ver como uma nação.

Também na União Europeia são inúmeras as diferenças nacionais a nível de direito, de orçamento, de fiscalidade…

Onde a lei que o TJUE avalizou peca é na sua flagrante inutilidade. Desde logo, o mais promíscuo dos dadores pode tranquilamente ocultar a maneira como fornica. Depois, a transmissão de doenças pela via sexual (e é da sida que, claramente, se fala) está muito longe de ser um exclusivo das práticas homossexuais. Por último, muito mal andará um serviço nacional de colheita de sangue que se fique pelas declarações dos dadores (potenciais ou efetivos): todo o sangue, venha de onde vier, doe-o quem o doar, deve ser (e é obrigatoriamente) sujeito a testes e processos de esterilização preventiva antes de poder ser considerado próprio para transfusão.

Por conseguinte, esta lei não traz rigorosamente vantagem nenhuma. É, para efeitos de prevenção da sida, inútil. Será então inócua?

Por «inócuo» devemos entender aquilo que, destituído de efeitos práticos positivos, tampouco os terá negativos (em linguagem popular, será inócuo o que, se não fizer bem, mal também não fará).

Ora, inócua é que esta lei não é. Porque tem um efeito negativo. E grave: discrimina infundadamente uma minoria sexual e reforça a sua estigmatização, em nome da pseudodefesa da saúde pública. É incontestável que, a par das minorias raciais, as minorias sexuais são as mais vulneráveis à estigmatização. Leis que propiciem essa estigmatização são, pois, iníquas. E um órgão com as responsabilidades, o renome e, consequentemente, o impacto do Tribunal de Justiça da União Europeia nem sequer deveria manter-se neutro perante as estigmatizações, quanto mais reforçá-las mediante a avalização de leis demagógicas como esta.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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