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Autonomia e Estado – da ilha para o continente

Como portuguesa nascida e criada na Madeira, e numa altura em que tanto se fala da regionalização do país, penso que devemos fazer uma reflexão sobre autonomia e a sua relação com o Estado. Para isso, temos de perceber que as regiões autónomas não são semelhantes a qualquer outra região do país, ainda que considere que as regiões portuguesas têm de ser avaliadas, de forma a garantir um ajustamento constante ao seu desenvolvimento. Mas não são iguais por uma razão muito simples: Madeira e Açores são regiões autónomas portuguesas, denominadas de regiões ultraperiféricas pela União Europeia. A partir daqui, não há grandes dúvidas sobre a necessária não assunção de igualdade entre regiões estatutariamente distintas. Aliás, igualdade é reconhecer a diferença. Tratarei apenas a questão da autonomia da Madeira por ser filha desta terra. O debate não é suposto ser entre ilhas (nomeadamente os Açores), mas entre a ilha e o continente, isto é, a autonomia regional não é um problema dos madeirenses, mas de todos os portugueses.

Temos de assumir as limitações e as oportunidades de se viver numa ilha. Dentro das limitações temos de encarar o difícil acesso a bens (o que me faz questionar a bondade do espaço Schengen nas ultraperiferias europeias), os custos e desperdícios de recursos, a dimensão demográfica num espaço geográfico reduzido, a dispersão do povoamento por toda a ilha, os transportes, o acesso à educação superior, a exiguidade do mercado, o isolamento e, provavelmente a característica mais vincada que se assume, em simultâneo, como limitação e oportunidade, a emigração. A melhor definição que conheço sobre ser ilhéu foi escrita por um continental: “Apesar do litoral, a ilha é interior” (A. Barreto, 1994, p. 268). Estamos no domínio da identidade insular.

A evocação da lei parece ser insuficiente para argumentar sobre uma identidade madeirense, ainda que a Madeira seja dotada de Estatuto Político-Administrativo e de órgãos de governo próprio. Isso distingue-nos como ilhéus? Não. Distingue-nos como cidadãos protegidos por uma autonomia que define o seu próprio destino. A autonomia política, administrativa, financeira, económica e fiscal da Região Autónoma da Madeira é exercida no quadro da Constituição Portuguesa, o que não nos impede a defesa dos nossos valores e interesses. Combinados numa identidade nacional, a nossa participação democrática como cidadãos, o desenvolvimento económico e social integrado do arquipélago, mostram bem o nosso respeito pela soberania do Estado.

Na Constituição da República Portuguesa, pode-se ler no seu artigo 225º, sobre o regime político-administrativo das regiões autónomas portuguesas, que este “fundamenta-se nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares”. Na verdade, a Madeira, já no passado, teve sempre um estatuto diferente das colónias portuguesas. Não é por acaso que a expressão utilizada era Ilhas Adjacentes. A autonomia regional significa essencialmente a descentralização do poder político e, por outro lado, a delimitação desse poder. Não se trata de um poder meramente administrativo, mas de um “circuito de decisão próprio” (J. A. Maltez, 2009) que define os seus próprios fins. É, nas palavras de António Barreto referindo-se aos Açores, mas que cabe no caso da Madeira, “a democracia política, a autonomia regional e a integração nacional. Esta última, (…) [tem] o reverso da medalha do desprezo, do abandono e do tratamento desigual” (A. Barreto, 1994, p. 269).

Creio que o reforço da autonomia política regional significa a consolidação da democracia do país e da liberdade da nação. Por outro lado, a responsabilidade do autogoverno, isto é, fora da dependência do centralismo governamental, implica o escrutínio constante por parte dos cidadãos, que culmina no maior processo democrático que acontece desde 27 de Junho de 1976: as eleições legislativas regionais na Madeira. Mas nem por isso esta autonomia significa a recusa do diálogo político com o poder central. Significa, antes, que esta autonomia é construída, neste caso, pela Região Autónoma da Madeira e pelos seus cidadãos e que cabe ao Estado Português garantir as condições para que a vontade autonómica se realize. Tudo o mais que se diga é mera retórica primária de quem não percebe o princípio: a liberdade de um povo conduzir o seu destino, dentro de uma nacionalidade histórica e de uma legalidade negociada. Esta reflexão é da ilha para o continente e para todos aqueles que, num compasso de espera, deixam por cumprir a autonomia.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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