O Grão-Duque Henri do Luxemburgo considerou-se ele próprio um lusodescendente, na linhagem de D. Miguel e do casamento de sua filha Maria Ana de Bragança com o Grão-Duque Guilherme IV. Disse-o no jantar de gala oferecido aos grão-duques pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio da Ajuda. Mais de que uma declaração extraordinária pela sua humildade, significa acima de tudo uma forma de reconhecimento da importância da comunidade portuguesa no Luxemburgo e de gratidão pelo acolhimento que a família real teve em Portugal quando foi obrigada a fugir do nazismo durante a Segunda Guerra Mundial.
A verdade é que, apesar do Luxemburgo ser um país muito especial para Portugal, a sociedade portuguesa em geral e a imprensa estão longe de compreender esse facto e de dar a relevância que mereceria uma visita com o significado tão expressivo, patente numa vasta comitiva composta por cerca de 170 pessoas em representação de inúmeros setores, vários ministros e a determinação em escolher Portugal para cooperar em domínios como o espacial, a investigação tecnológica, o turismo, a economia digital e as finanças verdes, eventos empresariais ou construção sustentável.
A representativa comitiva que acompanhou durante três dias os Grão-Duques tem um outro significado relevante, que marca uma viragem na relação entre os dois países. Significa que a elite política luxemburguesa começa a deixar de ver Portugal como um país agarrado a uma imagem transmitida pela emigração e passou a vê-lo como um país moderno, atrativo, dinâmico, acolhedor, cheio de oportunidades para o relacionamento bilateral. Aliás, é notório que há cada vez mais luxemburgueses que investem, que visitam e que se instalam no nosso país. O facto dos aviões entre o Luxemburgo e os aeroportos portugueses estarem quase sempre cheios é a prova desse interesse crescente.
Esta nova realidade é muito importante porque vai também ajudar a que haja uma perceção mais positiva e construtiva na forma como os luxemburgueses olham para a mais importante de todas as comunidades estrangeiras no Luxemburgo, que em alguns aspetos ainda tem uma vida pegada às tradições, mas que também tem um papel muito relevante em todos os setores da sociedade, muito particularmente por via dos lusodescendentes, que estão na administração, na vida política, na diplomacia, na economia, nas finanças, nos serviços, no setor tecnológico, na cultura, de que é exemplo neste caso específico o facto de o Luxemburgo ter sido representado na última bienal de Veneza pelo lusodescendente Marco Godinho.
Na política também se verifica que agora em todas as eleições há portugueses ou lusodescendentes candidatos nas listas de todos os partidos, os quais sabem que perdem vantagem eleitoral se não os incluírem, visto que não há município que não tenha mais de 20, 30 ou mesmo 40 por cento da sua população de origem portuguesa.
É esta extraordinária presença no Grão-Ducado que precisa de ser melhor conhecida e valorizada por parte da sociedade portuguesa e por parte das instituições, não apenas para dar a devida importância à comunidade, mas para aproveitar todo o enorme potencial que ela representa e que agora muito claramente o Luxemburgo está muito mais disponível para reconhecer. E daí também insistirem para que os portugueses participem mais, muito mais, na vida cívica e política do país.
Não o reconhecer é um profundo erro e representa uma forma de desinteresse pela comunidade portuguesa no Luxemburgo, que a prejudica e não serve os interesses e objetivos de aprofundamento das relações entre os dois países.
Estes passos muito significativos foram agora dados pelo Luxemburgo com a visita dos Grão-Duques, a segunda em relativamente pouco tempo. Falta Portugal corresponder à altura.
Paulo Pisco