Não vás por aí minha querida, não traces uma linha reta na tua existência. Nada é linear e o futuro constrói-se todos os dias mesmo que não seja visível. Caminha olhando o céu e as flores que bordam os caminhos por onde passas, levanta a cabeça e observa as estrelas que lá no alto brilham há muitos milhões de anos e que cadentes marcam o tempo. Será que aquela ali ainda lá está ou é só o seu brilho que ficou a emoldurar o teu céu? O poder, o contrapoder, a liberdade, a prisão dos passos e do pensamento, só tu no teu interior podes desbravar e compreender, e não percas nunca a ilusão de fazeres todos os dias o teu próprio itinerário. Aprendi muito neste lugar onde vivo, este lugar que é o nada e o fim de todas as galáxias, onde os Deuses são o pó dos tempos e onde os humanos são o pó deles próprios. O nada é nada, mas nesta imensa negação de tudo podes encontrar a explicação do perecível; se nada souberes construir dentro de ti própria nada será visível no julgamento do tempo. Se hoje me recordas, e deixas que a saudade inunde o teu coração, foi porque ambas construímos algo em comum; eu dei-te o calor da minha mão para atravessares os caminhos do medo e tu deste-me o do entendimento para eu atravessar a ponte que liga os dois rios da existência: o lado da bruma e o lado onde se reflete a luz. Enquanto tu existires eu mesma já não existindo vou existir contigo, e um dia tu deixarás essa mesma herança a quem procurar na tua mão o conforto dos momentos partilhados, e assim será pelos tempos numa infinidade de trocas.
in “Deixem-me ouvir o silêncio”