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A.M.O.R. vs Ódio

Pode parecer brutal ao nosso olhar, mas a reação mais comum que a História viu foi a de demonizar os quadros de doença generalizada. Apenas cingindo-nos a Portugal, assim foi, por exemplo, com o desenvolvimento do clima antijudaico nos séculos XIV e XV, com o corolário que todos conhecemos no massacre de 19 de abril de 1506 quando a cidade de Lisboa estava assolada pela Peste e os cristãos-novos, “judaizantes”, foram acusados de ser a justificação para a ira divina.

É brutal ver hoje esta mesma reação a ter lugar, usando-se os argumentos pré-cartesianos, pré-racionalidade científica e moderna. Num artigo publicado na revista Visão (“Esse Deus não é o meu!”), José Brissos-Lino, académico, pensador, e também religioso, alertou-nos de forma veemente, desconsolada, mas muito pedagógica para esta realidade: quem ainda hoje olhe para Deus, mediante um olhar supostamente cristão, e veja nesse Ente Divino a fonte do castigo, da dor e do sofrimento: a Covid-19 é o castigo pelos excessos do Carnaval, indicam igrejas brasileiras.

Esta pseudoteológica é primitiva e instiladora de medo, fazendo-nos recuar muitos séculos em humanismo e na própria conceção de Deus. Mas mais importante, esta visão, tão propalada entre Igrejas Evangélicas e Neopentecostais no Brasil, implica uma outra visão e postura: se é castigo divino, então, como afirma Bolsonaro: “todos morremos um dia”.

A leitura de um fim inevitável tolhe o discernimento e conduz a uma incapacidade de ver a ciência como fonte da solução. Neste caso, sim, a Religião passa a ser o ópio do povo, alheando-o e enganando-o porque lhe retira toda e qualquer capacidade crítica, levando-o para uma era pré-moderna.

No lado oposto, numa conceção humana e humanista de Deus, recordo como um monumento do que de melhor conseguimos fazer, a música A.M.O.R. do Pedro Abrunhosa. Plena e prenhe de sentido de dádiva, de compaixão, de amor, Pedro Abrunhosa conseguiu criar um poema perfeito na definição do divino.

“Porque só há um Deus no nosso céu, Chama-se A.M.O.R.”, canta o trovador, afirmando de forma sublime um Humano, demasiado humano, nas palavras de Friedrich Nietzsche ou, segundo ainda o filósofo, dando-nos uma lição prática de como “A arte deve antes de tudo e em primeiro lugar embelezar a vida, portanto fazer com que nós próprios nos tornemos suportáveis e, se possível, agradáveis uns aos outros”.

Sim, é insuportável ver grupos religiosos a serem dominados por quem os leva para tempos recuados de ódio, de medo e de exclusão.

Fiquemos com o poema.

A.M.O.R.

Podes rezar ao teu Deus que eu rezo ao meu,
Talvez o meu Deus seja o teu,
Porque só há um Deus no nosso céu,
Chama-se A.M.O.R.
Chama-se
A.M.O.R.

O meu Deus não usa balas nem se explode na multidão,
Que o teu Deus não use ferros nem se esconde na Santa Inquisição,
Porque cada um tem um Deus na sua mão,
E o nosso chama-se
A.M.O.R.
E alguém pergunta ao longe e eu digo:
A.M.OR.

E se o meu Deus fosse uma Mulher e o teu também,
E se se beijassem na boca e no céu se ouvisse: ‘Amén!’,
Porque todos os Deuses tem destino de Mãe,
E o nosso é A.M.O.R.
Não é outro o nosso Deus que não
A.M.O.R.

E alguém me diz ao longe chama-se
A.M.O.R.
E há pobres e loucos que dizem:
A.M.O.R.

Podes pedir ao meu Deus que eu peço ao teu,
Que nos dê a Paz e a Luz e a Vida que nenhum ódio venceu,
Porque sabes onde estiver esse Deus estarás tu, estarei eu,
É um Deus que dá pelo nome
A.M.O.R.

E tu perguntas como se chama esse Deus e eu digo:
A.M.O.R.

E os tristes e os fracos dizem:
A.M.O.R.
E são poucos os loucos que não tem
A.M.O.R.
E é por isso que eu quero que tu digas comigo A.M.O.R.
E alguém na rua diz
A.M.O.R.
E eu digo mais uma vez
A.M.O.R.
Chama-se
A.M.O.R.

 

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