ENQUADRAMENTO
No contexto do combate contra a evasão e fraude fiscais internacionais, os Estados têm vindo a adotar diversas medidas que visam combater a realização de operações abusivas no âmbito dos impostos sobre o rendimento e sobre o património, designadamente a criação de listas, designadas de “listas negras”, de jurisdições opacas ou de territórios ou regiões com regimes fiscais considerados como claramente mais favoráveis – comummente designados por “paraísos fiscais”.
A decisão quanto à inclusão de um país, Estado ou região na referida “lista negra” é unilateral, nos termos previstos na lei, sendo a lista sujeita a revisão do Governo, espontânea ou motivada por pedido expresso por parte do órgão competente da jurisdição visada, indicando que deixou de preencher um ou mais dos critérios que determinam a inclusão na referida lista.
O REGIME EM VIGOR
No âmbito do combate à evasão e fraude fiscal internacional, vigora em Portugal um sistema misto de prevenção. É consagrada a referida lista de jurisdições tidas como “paraísos fiscais”, conjugada com outras medidas, como o designado regime das sociedades estrangeiras controladas, ou uma cláusula adicional de identificação de outros “paraísos fiscais”.
Os critérios previstos para a inclusão em “lista negra” são:
a) inexistência de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC ou, existindo, a respetiva taxa aplicável seja inferior a 60% da taxa geral desse imposto
b) as regras de determinação da matéria coletável sobre a qual incide o imposto sobre o rendimento divirjam significativamente dos padrões internacionalmente aceites ou praticados
c) a existência de regimes especiais ou de benefícios fiscais dos quais resulta uma redução substancial da tributação
d) a legislação ou a prática administrativa não permitam o acesso e a troca efetiva de informações relevantes para efeitos fiscais.
Para além dos referidos critérios, a legislação nacional prevê a já referida cláusula adicional, ao abrigo da qual é permitido à Administração tributária considerar, casuisticamente, outras jurisdições como “paraísos fiscais”, mediante a verificação cumulativa dos seguintes critérios:
a) A inexistência de imposto do tipo IRC ou, existindo, preveja uma taxa de imposto inferior a 60% da taxa praticada em território português
b) A lei preveja a aplicação desta cláusula adicional no caso concreto
c) existam relações especiais entre pessoas ou entidades residentes nesse outro território e pessoas ou entidades residentes em território português, no contexto de esse caso concreto
d) a jurisdição em causa não seja um Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste último caso se vinculado a cooperação administrativa em matéria tributária.
No âmbito da aplicação da referida cláusula aberta, e conforme já referido, a transparência fiscal constitui um fator de exclusão, funcionando como cláusula de salvaguarda. Neste sentido, para que a Administração tributária não lance mão desta cláusula aberta, é suficiente a existência de instrumentos vinculativos de cooperação administrativa interestadual equivalente à existente no quadro da UE.
Da legislação atualmente em vigor em Portugal resulta, contudo, alguma incoerência pelo facto de elencarmos determinados países como “paraísos fiscais” e em simultâneo, celebrarmos acordos de Dupla Tributação Internacional.
Surgem dúvidas quanto à compatibilização, igualmente, da consideração como paraíso fiscal de países que sejam signatários da Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Fiscal, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OC-DE) – na qual participam 141 jurisdições, incluindo Portugal, desde 1 de março de 2015 – e cumpridores dos ratings da OCDE/Fórum Global.
Adicionalmente, a respeito da qualificação de um Estado cooperante ou não-cooperante de acordo com os ratings de padrões de cooperação e de transparência fiscal da OCDE, é de referir que há um conjunto de jurisdições incluídas na lista portuguesa como “paraísos fiscais” que são consideradas “largely compliant” pelo Fórum Global – o mesmo rating alcançado por Portugal a esta data.
De salientar ainda que, no âmbito da troca e retenção de informações, a segurança e privacidade de dados é uma questão que tem vindo a ganhar cada vez mais relevância. Neste contexto, e apesar de os vários mecanismos assegurarem, a título formal, a confidencialidade e a proteção de dados, é importante que a mesma seja efetiva e real, na linha do que tem sido reiterado por organismos independentes internacionais no quadro da UE e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, designadamente, o Article 29 Data Protection Working Party.
Por outro lado, cumpre mencionar que a troca de informação levanta preocupações relativas à dissipação em cadeia da informação detida por determinada Administração tributária das informações fiscais, pessoais, bancárias ou de negócio dos seus contribuintes.
A RELEVÂNCIA DE UM TERRITÓRIO SER CONSIDERADO “PARAÍSO FISCAL”
Em Portugal, a consequência de essas regras traduz-se em taxas fixas agravadas, como é o caso de uma taxa de 35% sobre rendimentos de capitais pagos por entidades residentes em paraísos fiscais (IRS e IRC); como é o caso das taxas de IMI, IMT e AIMI. Estão ainda previstas tributações através da imputação do capital bruto (como no caso do IMI, em que o valor a pagar de imposto será 1/15 do valor patrimonial do prédio em causa) e restrições à dedutibilidade de prejuízos, como no caso das menos-valias derivadas da alienação de participações sociais em sede de paraísos fiscais, entre outras medidas, como o já referido regime das sociedades estrangeiras controladas.
Quando Portugal celebra uma CDT com uma jurisdição que qualifica “paraíso fiscal”, surge a questão de saber se essa classificação se encontra em violação das CDT celebradas.
AS JURISDIÇÕES NÃO COOPERANTES PARA EFEITOS FISCAIS (A LISTA “NEGRA” DA UNIÃO EUROPEIA)
A UE consagra duas listas de jurisdições consideradas como “não-cooperantes”: uma “lista negra”, que inclui as jurisdições que não satisfazem os critérios por si estabelecidos, e a designada “lista cinzenta”, que inclui as jurisdições que, embora não cumpram ainda com os critérios exigidos, se comprometeram a alinhar as suas práticas, normas, transparência e governação fiscal de acordo com os standards internacionais.
A inclusão de uma determinada jurisdição em qualquer uma das listas está dependente de uma avaliação conduzida pela Comissão Europeia e que tem por base três critérios:
a) transparência fiscal
b) tributação justa
c) medidas contra a erosão da base fiscal e a transferência de lucros (BEPS)
Adicionalmente, é ainda levada em consideração a existência (ou não) de um imposto sobre o rendimento das sociedades à taxa “zero”.
Por fim, é de referir que a criação, pela UE, da “lista negra” e da “lista cinzenta” tem demonstrado resultados enquanto mecanismo de incentivo à adoção, pelos Estados terceiros, de medidas tendentes à transparência fiscal e boa governação. De acordo com informação oficial da UE, desde a introdução da lista negra, pelo menos 60 países tomaram medidas para dar resposta às preocupações da Comissão Europeia e mais de 100 regimes prejudiciais foram suprimidos.
Atualmente, com base no último e mais recente update, constam da lista negra da União Europeia as seguintes jurisdições:
a) Samoa Americana
b) Anguila
c) Antígua e Barbuda
d) Ilhas Fiji
e) Guame
f) Palau
g) Panamá
h) Rússia
i) Samoa
j) Trindade e Tobago
k) Ilhas Virgens dos Estados Unidos
l) Vanuatu
Acresce, que da lista cinzenta da União Europeia constam atualmente as seguintes jurisdições:
a) Arménia
b) Belize
c) Ilhas Virgens Britânicas
d) Costa Rica
e) Curaçau
f) Essuatíni
g) Malásia
h) Seicheles
i) Turquia
j) Vietname
Note-se que a próxima atualização das jurisdições não cooperantes está prevista para outubro de 2024.
NOTAS FINAIS
Na Portaria n.º 309-A/2020, de 31 de dezembro de 2020, a mais recente alteração à Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, que aprovou a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação claramente mais favoráveis (ver anexo I), foi determinada a exclusão de Andorra da “lista negra” portuguesa, com produção de efeitos desde 1 de janeiro de 2021.
Contudo, cumpre mencionar que, mesmo após a retirada de Andorra, o elenco de países que compõem a “lista negra” continua a suscitar algumas questões.
Com efeito, a “lista negra” portuguesa é das mais numerosas de toda a UE – do elenco original de 83 países, subsistem 78 – sendo que alguns Estados Membros não consagram sequer uma “lista negra”, como é o caso da Alemanha.
A título de exemplo, é de referir, por exemplo, Hong Kong, que se mantém na “lista negra” portuguesa embora se encontre excluída da lista da UE desde 2004. De igual modo, o Liechtenstein, também classificado como paraíso fiscal, foi removido da lista da União Europeia desde 2018, após a adoção de legislação que harmoniza os seus requisitos de transparência financeira com as normas da UE, demonstrando assim um compromisso firme no combate à evasão fiscal e às atividades financeiras ilícitas.
Neste contexto, mantém-se relevante e bastante atual o debate sobre se não deverá a “lista negra” portuguesa sofrer revisões adicionais, nomeadamente quanto ao seu modelo, extensão e requisitos, uma vez que, por um lado, se assume como prioridade estratégica para o país a atração de investimento estrangeiro e, por outro, são mantidos neste elenco de indesejáveis algumas jurisdições que a larga maioria da comunidade internacional reconhece como cumpridoras, além de se manterem jurisdições com as quais Portugal celebrou, direta ou indiretamente, relevantes acordos em matéria fiscal ou em sede de troca de informação em matéria fiscal, os quais não são coerentes com a listagem na “lista negra”.
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Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
João de Freitas Jacob
José Nuno Vilaça
Joana Fidalgo Barreiro