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A importância de ser Ernesto: reflexão sobre a felicidade

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Mas…eu não sou médico, senhor Ernesto, O senhor não é médico, mas a placa lá fora dizia Dr. Anastácio… Dr. Anastácio, e não médico Anastácio, Mas… não entendo senhor doutor, agora estou um pouco confuso… Mas não esteja senhor Ernesto, o senhor já deveria saber pela idade que aparenta, que neste país para se ser doutor não é preciso ser formado pela universidade, tudo o que é preciso é um bom fato, gravata, bom carro e ser dono de uma companhia, ou pelo menos que pensem que se é…está a perceber-me…? Não senhor doutor, de facto não estou, Pois não, mas isso é porque você é uma pessoa humilde e muito bem-educada, olhe, deixe lá, aquilo que o senhor precisa é o gabinete ao lado, que de facto é o consultório de um médico, passe bem senhor Ernesto.

O seu mal senhor Ernesto, é que o senhor é… bem, como hei de dizer… é… é… olhe… é muito Ernesto, pronto.

O senhor Ernesto, que já tinha tirado o boné da cabeça assim que entrou na receção do edifício, ficou por momentos a olhar a rececionista, deixou escapar um pequeno suspiro e finalmente respondeu,

Pois menina, de facto sou muito Ernesto desde o dia em que me botaram uma fatiota no meu corpo frágil e recém-nascido e me inclinaram a cabeça para a pia onde o senhor abade me regou com um punhado de água benta, e disse,

(E ao dizer isto fez o sinal da cruz numa espécie de versão rápida, beijou o indicador que dobrou em forma de gancho e finalizou}

em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo me batizou com o nome de Ernesto da Consolação, Ainda por cima,

disse a rececionista,

Não lhe bastava ser Ernesto e ainda fica consolado com isso.

A menina nem sequer sorriu ao dizer isto. Mexia numa papelada que se encontrava em cima da sua secretária bastante desarrumada, e de vez em quando levantava os olhos à medida que falava com o senhor Ernesto.

Não se pode confiar nas pessoas, vivemos num mundo muito traiçoeiro e cheio de oportunistas cruéis, Nem todas as pessoas são iguais menina, temos que continuar a confiar que ainda há gente boa, senão de que nos vale andar neste mundo, Ora, ora, senhor Ernesto, é como eu digo, você é muito Ernesto, Já o tinha dito menina, Pois, mas não seja, assim não vai a lado nenhum, Sabe menina, a minha educação foi orientada por valores de humildade, respeito, e acima de tudo muito amor pelo próximo, porque quem não é capaz de amar o próximo não é capaz de se amar a si mesmo, e como consequência disso não só não vive em paz como também nunca chega a ser verdadeiramente feliz, Sabe senhor Ernesto, a felicidade às vezes é como o sol num céu polvilhado de nuvens,  quando menos se espera ele é coberto por uma dessas nuvens e deixa de brilhar, e depois a nuvem passa e ele volta a brilhar até que venha outra e o encubra novamente,  às vezes as pessoas são como as nuvens que encobrem o sol, É verdade menina, por isso é que a felicidade não pode depender nem de pessoas nem de circunstâncias ou senão  será muito invariável,  a felicidade vem de dentro de nós, tem que ser trabalhada como um estado de espírito, Isso é que é mais difícil senhor Ernesto quando há certas pessoas que nos podem encobrir o sol da nossa vida de tal maneira que não há estado de espírito feliz o suficiente para que se lhe resista, A última escolha é sempre nossa menina, e uma pessoa num estado de felicidade, se o souber trabalhar de maneira natural quebra qualquer onda negativa,  a procura da verdadeira felicidade tem sido difícil de encontrar para muita gente porque as pessoas a procuram em todo o lado e em tudo, menos dentro de si mesmas,  sabe menina, a vida é curta de mais para que a possamos viver sem dela lhe encontrarmos o verdadeiro propósito, a verdadeira razão da nossa existência, e para mim, que outra razão um ser humano pode ter a não ser a procura da verdadeira felicidade, Lá isso é verdade senhor Ernesto, até concordo consigo, há muita gente que nasce, vive e morre sem saber o que felicidade significa, quero dizer…verdadeira felicidade, duradoura,  muita gente até chega a pensar que a encontrou, mas ela desvanecesse mais depressa do que se alcançou, É como lhe digo menina, as pessoas que procuram a felicidade em todo o lado e em tudo, menos dentro de si, nunca chegam a ser verdadeiramente felizes, apenas têm breves momentos de uma felicidade que acaba por ser muito sobressaltada porque depende sempre de outras pessoas, mesmo as que mais se amam, ou de circunstâncias,  a felicidade está dentro de nós, e a procura dela em tudo menos onde ela está, já é por si só a causa de infelicidade,  talvez que um dia quando deixarmos de a procurar ela apenas surja de maneira simplesmente natural, Ai sim senhor Ernesto, aí está você a divagar com as suas filosofias, e como se faz isso então, A verdadeira felicidade é a capacidade de amar, e de ser amado pelos outros, é a coragem, é a nossa bondade, a nossa gratidão, a nossa força, a nossa bravura, enfim a nossa felicidade é o que faz a vida valer a pena, encontre-se a si mesma menina, encontre-se a si mesma e encontra a felicidade, olhe para dentro de si, e no absoluto silêncio da mente ouça-se  verdadeiramente, não deixe que os constantes pensamentos a confundam.

(Diário das pequenas reflexões)

 António Magalhães    

Nota do autor: José Saramago nasceu a 16 de Novembro de 1922. É sem dúvida alguma o meu escritor favorito de todos os tempos. José Saramago criou uma nova maneira de escrever que jamais poderá ser igualável, pelo simples facto de que é única e muito pessoal. Sem querer estar a imitar o grande Mestre, até porque mesmo que fosse, (e não é) essa a minha intenção, não teria essa capacidade, este texto é a minha homenagem ao meu ídolo literário, o meu reconhecido agradecimento por todos os livros que nos deixou para ler, e por toda a magia com que ao lê-los eles nos encantam.

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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