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Uma sessão de cinema…

Estava um fim de tarde de pasmo e eu sem paciência para nada depois de um dia inteiro enfiada no escritório a despachar papelada. Já no carro a caminho de casa o desconforto aumentou com a chuva miudinha que há horas não parava de cair. Cansada das filas de trânsito e para abreviar aquele amolecer de fim de dia decidi ir ao cinema. Gosto muito de cinema e como não sou muito complicada e bastante curiosa não é difícil encontrar um filme que me “puxe”.

De bilhete comprado na mão e com 30 minutos pela frente antes do início da pelicula, decidi ir beber um café na cafeteria mais próxima. Estava já sentada numa mesa e com a bebida servida quando fui surpreendida por um leve toque no ombro. Era o Bernardo. Já não nos víamos há uns 2 anos mas o tempo nunca era descontado na nossa cumplicidade; Que prazer em ver-te! De todos os meus amigos homens o Bernardo foi o único que se manteve à altura de uma amizade sincera e que durava há 2 décadas.

Pusemos a conversa em dia partilhada ao ritmo de vários cafés, de umas sandes cheias de molhos e de um filme adiado para outra altura. A companhia dele era como sempre tão agradável que o tempo passava rápido. Entretanto durante a nossa animada tagarelice fui surpreendida pela novidade da década, o Bernardo ia casar. E então não me dizias nada?! Fiquei mesmo surpreendida. O amigo de há séculos com quem tinha partilhado tantos momentos e confidências a quem tinha enviado convites para as ocasiões mais importantes da minha vida, tinha-se esquecido de me convidar para o casamento. O Bernardo ficou um bocadinho ofendido por eu estar a ver as coisas de uma maneira tão convencional; Francamente miúda, estava à espera que tivesses crescido mais um bocadinho! Estás-me a ver fazer um casamento desse tipo? Achas que endoideci de vez ou quê?

Ele tinha razão. Se havia alguém que fazia tudo fora da “box” era ele, como é que me podia passar pela cabeça que o Bernardo daria o nó apertado por dezenas de convidados? Já nos tempos da faculdade ele fazia tudo diferente dos outros. Se era moda o cabelo comprido, ele usava o cabelo curto. Quando toda a gente começou a usar calças de ganga rotas ele passou a vestir as calças mais novinhas que tinha no armário, quando os rapazes começaram a usar brincos ele tirou os dele. Enfim em todas as situações de rebanho o Bernardo fazia questão de ser a ovelha tresmalhada.

Sempre lhe achei piada pela irreverência e só fiquei um bocadinho incomodada quando percebi que o meu mais querido amigo gostava de sexo com rapazes. E não era para contrariar a onda de ninguém, era assim. Aprendi a viver bem com isso à medida que fui esvaziando a cabeça de ideias feitas e preconceitos sub-reptícios. Afinal de contas eu sempre fui pela expressão da autenticidade em todos os domínios, só tinha era de fazer a passagem da teoria à prática.

Conheci alguns dos seus namorados como ele conheceu meus. Por vezes íamos beber um copo ou jantar todos juntos, chegámos a fazer 2 ou 3 viagens e sempre se passou tudo muito bem. Sempre que tínhamos saudades um do outro telefonávamos e quando as saudades apertavam mais, visitávamo-nos. O Bernardo foi o primeiro a saber que eu estava grávida, depois de mim claro! Ficou tão feliz que até o convidei para ser padrinho de nascimento, versão inventada por 2 ateus convictos e combinada nas longas conversas em que projectávamos o futuro embalados pela música que passava no nosso programa de rádio favorito e pelos nossos risos estridentes e bem bebidos.

Olhei o meu amigo olhos nos olhos (que verde magnifico!) e desculpei-me um bocadinho irónica; Pois é amigo, desculpa lá aqui a cota, com estas rotinas de mãe e gestora estou a ficar com a cabeça formatada numa folha A4! O Bernardo riu-se, pegou-me nas mãos e levou-as aos lábios. Sempre tinha feito aquilo depois de finda uma desavença ou discussão mais acalorada, era o nosso “enterrar do machado de guerra”.

O que seguiu não foi propriamente um momento de paz. O tempo parou com o afagar dos lábios dele na minha pele e ao mesmo tempo o meu coração desatou a galopar em todas as direcções oprimindo o meu peito com aquele vigor. Pareceu-me uma eternidade, os lábios dele pousados nas minhas mãos mas não fiz nenhum gesto, fiquei à espera do momento seguinte que me libertaria com certeza daquele embaraço. O momento seguinte não me libertou de coisa nenhuma pois as minhas mãos continuaram presas nas suas. Interroguei-o com o olhar e a resposta deixou-me ainda mais inquieta.

Pensei que me tinha curado desta doença mas afinal sofro de uma doença crónica sem cura. Nunca me senti atraído por raparigas, o sexo feminino nunca me acelerou o pulso ou a circulação mas contigo sempre foi diferente. Sempre que te via só me apetecia abraçar-te, sentir-te, beijar-te, perder-me dentro de ti… e tu sempre tão volátil, apaixonada sem intervalos por todos os bonitões da faculdade, sempre à procura do amor perfeito, da união ideal!

Não consegui dizer nada, estava tão surpreendida com a declaração dele quanto do formigueiro que me invadia a barriga em ritmo acelerado. E pela primeira vez, desde há muitos anos, ouvi-me falar antes de me autorizar a dizer fosse o que fosse; Não quero mais falar disto, amanhã casas-te e quero que tudo aquilo que foi dito aqui seja guardado no cofre do esquecimento. Promete-me isso, por favor. Ele retirou as suas mãos das minhas, voltou a inundar-me com aquele verde que só por si reflectia todos os mares, navegados e por navegar, e disse; OK, como queiras. De seguida baixou o olhar.

Sem pressas, tirei uma nota da carteira para pagar a conta e fiz sinal ao empregado. Peguei depois na minha mala de mão, na gabardina, certifiquei-me que nada ficava esquecido na mesa e estendi-lhe a mão. Ele deu-me a mão e eu agarrei-a com força. Começámos a andar e foi então que lhe disse; Vem, vamos para minha casa, a minha filha esta semana fica com o pai.

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