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Um terço dos portugueses emigrados quer regressar

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Uma família, como tantas outras, de férias, entre tílias, camélias, magnólias e outras árvores dos Jardins do Palácio de Cristal, no Porto. Nuno, Mafalda e a filha, Francisca, conversam em português, como de costume, mas a menina fá-lo com uma certa cadência britânica e por vezes responde em inglês.

Mafalda Ferreira foi sozinha. É engenheira alimentar. Surgiu-lhe a oportunidade de trabalhar num projecto de análise sensorial, uma ciência que utiliza os sentidos para avaliar as características de produtos, em Inglaterra. Dois anos e estaria de volta. O marido ficaria com a filha. “Comecei a sentir-me sozinha”, diz ela. “Comecei a sentir muitas saudades da mãe”, diz a filha, num trabalho efetuado pelo jornal Público sobre os portugueses emigrados.

Nuno já tinha assumido um papel preponderante na educação da filha. Estudara gestão e contabilidade e abrira uma empresa de construção. Há oito anos, pouco depois de Francisca nascer, estava o sector quebrado, mudou o escritório lá para casa. “A decisão [de partir] não foi difícil”, afirma. “É uma experiência. É bom para a Francisca. A área da construção está como está.”

Nuno, agora com 42 anos, assumiu um lugar que, na emigração tradicional, estava reservado às mulheres. Mafalda, agora com 35, assumiu um lugar que, na emigração tradicional, estava reservado aos homens. Ele cuida da filha, trata da casa e trabalha em part-time numa escola de primeiro ciclo como assistente de um professor. E ela, que entretanto foi descoberta por um caçador de talentos, lidera um projecto numa multinacional. Os dois anos de emigração já vão em quatro.

A emigração está a crescer desde o início do século e acelerou em 2011, na sequência da crise da dívida e das medidas de austeridade. Para perceber a nova emigração, isto é, a emigração do pós-2000, um grupo de cientistas portugueses – incluindo João Peixoto, Isabel Tiago de Oliveira, Joana Azevedo, José Carlos Marques, Pedro Góis, Jorge Malheiros e Paulo Miguel Madeira – analisou os fluxos migratórios, lançou um inquérito na Internet e fez entrevistas em meia dúzia de países paradigmáticos: Reino Unido, França, Luxemburgo, Brasil, Angola e Moçambique. Queriam perceber se este novo movimento migratório depende mais da conjuntura, o que quer dizer que abrandará com uma eventual recuperação económica, ou é um indicador de “perda de espessura da sociedade portuguesa”, que acabará por intensificar o estatuto periférico de Portugal. Os resultados do projecto de investigação, desenvolvido entre 2013 e 2015, estão agora reunidos no livro Regresso ao Futuro – A nova emigração e a sociedade portuguesa (Gradiva).

Analisando os últimos censos, entre 2001 e 2011 o volume de regressos situou-se nos 40%. Alguns dos regressados eram jovens. Viviam, sobretudo, em França, um velho destino, mas também em países como Espanha ou o Reino Unido, um sinal de que “a emigração mais recente parece revelar uma maior tendência para o regresso e, eventualmente, para a remigração”.

Embora indiquem que a lógica temporária e circular da emigração está a crescer, em especial entre os emigrantes qualificados, os investigadores julgam que ainda é cedo para saber se se tornará determinante. O inquérito (com 6086 respostas válidas) descobre uma certa ambiguidade: 27,7% disseram que queriam ficar onde estavam, 29,1% regressar, 11,3% reemigrar, 31,9% que estavam indecisos. As consequências da “conjuntura que impulsionou a emigração ainda parecem demasiado fortes para que esta regresse a um quadro mais controlado e menos negativo”. Mas a tendência para saídas temporárias, salientam, é reforçada por factores estruturais como a “precariedade dos contratos, o envolvimento em trabalho à tarefa ou de projecto, a volatilidade na economia global associada à integração nos mercados de trabalho e ao transnacionalismo empresarial, a livre circulação europeia e a maior imbricação de períodos de trabalho e de estudo”.

Dos países estudados, foi em Moçambique que os investigadores encontraram um desejo de regresso mais claro (44% dos inquiridos decididos a voltar, 13,9% decididos a ficar; 32,4% indecisos). É o terceiro em matéria de frequência de visitas de portugueses a Portugal. Nenhuma outra amostra procura tanto exercer o seu direito de voto nas eleições portuguesas, o que, no entender dos investigadores, pode estar relacionado com “projectos migratórios mais curtos e orientados para a origem”.

Maria Lopes mora em Maputo há quatro anos. Viver em Moçambique, para ela, fazia sentido, porque foi lá que passou os primeiros anos da infância com os pais e irmão mais velho. “Durante 40 anos foi raro, se é que houve algum, o dia em que não falava ou pensava em Moçambique.” Um dia, decorria Julho de 2012, teve um problema no serviço, sentiu-se injustiçada, consultou a mãe e a filha e despediu-se. “Não tinha trabalho, não tinha perspectivas, não tinha objectivos, tinha um foco: vir para Moçambique. Meti-me num avião e vim. Claro que tive ajuda, já que o meu irmão já tinha vindo em 2011”, lembra. Ele deu-lhe guarida. E ela pôs-se à procura de trabalho.

Aos 48 anos, dirige uma escola comunitária e integra a Comissão Organizadora de Eventos da Comunidade Portuguesa em Maputo. Chegou a pensar que viveria ali para sempre. Já não pensa. Esteve em Portugal, de férias, de 26 de Julho a 9 de Agosto, e custou-lhe demasiado partir. “Já me superei, já vivi a minha aventura….estou pronta para regressar a Portugal”, afirma, por chat. “Posso fazer falta aqui mas faço muita mais falta aos meus.”

Agosto será, como nenhum outro, um mês privilegiado para perceber até que ponto esta nova emigração – de perfil diversificado, destino variável, trajectória incerta – mantém ou não uma ligação a Portugal. Um pouco por todo o país se ouve falar um português afectado pelo uso de outra língua.

A proximidade geográfica não desempenha um papel determinante na frequência das visitas a Portugal. “Angola, um país mais distante do que os destinos europeus, é aquele de onde as visitas são mais frequentes”, lê-se no já referido livro. Segue-se o Reino Unido. “Angola pode tratar-se de um caso isolado, em que importa a existência de acordos de trabalho que contemplam visitas a casa suportadas pela entidade empregadora. No caso europeu, os valores mais elevados no Reino Unido podem ser explicados por se tratar de uma emigração mais qualificada, e menos orientada para a poupança, ao contrário da de França e do Luxemburgo”, avança o trabalho.

Passar férias em Portugal é um indicador de desejo de manter ligação a Portugal. Mafalda e Nuno vêm, pelo menos, duas vezes por ano, como 63% dos inquiridos residentes no Reino Unido. Mantêm um contacto diário com os familiares via tecnologias, como 80,5% dos inquiridos residentes no Reino Unidos. Lêem jornais portugueses quase todos os dias, como 47,6% dos inquiridos. Têm a certeza de que um dia voltarão, como 23,8% da amostra. “Tentamos manter as duas bases”, explica ele. Uma vez, disseram-lhe que, se se desligassem, voltar seria como emigrar segunda vez, mas com mais sofrimento, porque teriam de se adaptar a um lugar que sempre julgaram seu. “Saímos mas gostamos muito do nosso país. Mesmo a Francisca, que passou uma percentagem considerável da vida dela em Inglaterra, diz que Portugal é o país onde gosta de viver”, remata.

Todos os meses, há gente que volta. Raquel Leitão voltou em Junho ao Porto, depois de três anos e meio em Londres. Foi atleta de alta competição e treinadora de ginástica. Completou uma licenciatura em design de comunicação, um mestrado em ilustração, outro em educação. Cansada de precariedade laboral, desejosa de trabalhar numa escola com um currículo alternativo, sabia que em Inglaterra havia “mais oportunidades” e gostava de ter uma experiência de vida fora de Portugal.

A professora de 35 anos nunca sentiu pertencer àquela cidade. Londres parece-lhe ter um tamanho desmesurado. Consumia um tempo excessivo em deslocações. Sobrava-lhe pouco para a vida social. Faltava-lhe a família e os amigos. “Tinha saudades de ficar três horas à mesa, à conversa”, diz. Voltou sem emprego em vista, mas já encontrou um. Está a trabalhar numa nova escola, em Matosinhos.

Todos os meses há gente que parte. Maria Eduarda Moreira partiu com o namorado a 25 de Janeiro de 2016. Com uma licenciatura em comunicação e um mestrado em multimédia, trabalhava há poucos meses como gestora de redes numa empresa de moda. O parceiro, designer, estava desempregado. Queriam alargar horizontes, mas também sentir que o trabalho deles era valorizado. “A falta de oportunidades para os jovens [em Portugal] é assustadora. E as poucas oportunidades que existem são, na sua maioria, com salários precários, ofensivos.”

Faltam-lhe os familiares e os amigos, o sol e o mar, a comida e a calçada portuguesa. Tenta vir de três em três meses a Portugal. Vê-se a regressar? “Sim, sem dúvida. Já valorizava muito o país e, estando longe, ainda valorizo mais”, responde, por email. “Como em qualquer lugar há sempre aspectos com os quais não nos identificamos tanto – em Londres vive-se um civismo e uma atmosfera de respeito que admiro muito, penso que Portugal ainda precisa de crescer um pouco nesse aspecto.”

Só conta 25 anos, mas tem um plano claro. “Pretendo ficar em Inglaterra pelo menos dois anos, mas depende da minha situação laboral. Não tenho ainda a certeza se depois de Inglaterra não ficarei com vontade de ir experimentar viver noutro país. Mas, dentro de cinco anos, gostava de regressar definitivamente a Portugal”, explica. “Voltar é, mais do que um objectivo, uma certeza para mim. Quero criar uma carreira e um dia conseguir um emprego estável em Portugal. Um dos meus objectivos a longo prazo é que os meus filhos possam nascer e crescer em Portugal.”

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