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Rudifran Pompeu: o teatro que pode mudar o mundo

Gaúcho de Uruguaiana, radicado em São Paulo desde 1988, o ator, diretor, dramaturgo e atual presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, Rudifran Pompeu é um dos fundadores do premiado Grupo Redimunho de Investigação Teatral, que em 15 anos de existência e forte inspiração na obra do escritor Guimarães Rosa, encenou espetáculos memoráveis na cena paulistana, como A Casa, Marulho: o caminho do rio, Tareias, Vesperais nas Janelas, Realejo da Realejo da Sorte e Siete Grande Hotel.

Quando a descoberta do teatro?

Eu era muito menino. Começou na escola, como para a maioria dos atores e foi um professor que sempre incentivava a gente a ler e a encenar pequenas histórias. Ele nos levava peças e creio que foi esse um dos grandes e importantes disparadores para a minha vontade de fazer teatro.

Como se deu a ideia de criar o Grupo Redimunho de Investigação Teatral, em 2003?

Eu vinha de uma montagem de Pequenos Burgueses, do Gorki, pelo antigo Teatro Fábrica, na Rua da Consolação, em São Paulo. Quando a primeira temporada acabou, eu resolvi chamar algumas pessoas próximas para que pudéssemos ler Guimarães Rosa e, quem sabe, criar um coletivo. Eu estava tentando ouvir outras vozes e experimentar outros ares.

Fazer teatro fora do eixo comercial chega a ser um ato heroico em nosso país. O Grupo Redimunho, no entanto, nestes 15 anos de existência, conquistou, inclusive, sua sede própria, no centro de São Paulo. Como tem sido manutenção do grupo e a fidelidade a seus ideais?

Sempre é tudo muito difícil, mas em São Paulo a gente tem alguma política pública (não é suficiente, mas existe) e isso foi determinante para que o grupo construísse uma estabilidade mínima. Os ideais a gente tenta manter como principio e é evidente que o percurso é sempre espinhoso, os caminhos que se apresentam são por vezes muito duros, mas quando você acredita no que está fazendo as coisas tendem a ser mais suaves. Eu acredito e sempre acreditei que o teatro poderia mudar o mundo e isso como um norte utópico sempre ajudou para que pudéssemos avançar e atravessar inúmeras barreiras. Chegamos aqui, nesse lugar simbólico de luta e de possibilidades de reflexão sobre o mundo em que estamos envolvidos e inseridos.O teatro que fazemos é exatamente o teatro que queremos fazer e isso é realização prática daquilo que sonhamos. Não sei se é bom ou ruim, mas é o que nos movimenta para diante.

As montagens de A Casa (2006), Vesperais nas Janelas (2008), Marulho: o caminho do rio (2010) e Tareias (2013) trazem em comum o sertão de Guimarães Rosa. O que levou o Redimunho a buscar com tanta ênfase o universo roseano?

O Guimarães Rosa sempre foi um sujeito muito admirado por mim, mesmo sem compreendê-lo direito e talvez isso tenha reverberado em minha subjetiva vontade de encená-lo. Por isso, eu o apresentei ao grupo bem no seu inicio, no entanto, eu sabia que jamais conseguiríamos pagar direitos autorais decidimos fazer um caminho próximo, que era justamente ler e reler a obra dele e em seguida fazer incursões pelo sertão por onde ele andou. E foi assim que Guimarães Rosa foi tomando uma proporção enorme dentro de nossa linguagem e foi acontecendo de forma muito natural. Quando vimos, já estávamos nas veredas roseanas.

Como tem sido a experiência de dirigir a Cooperativa Paulista de Teatro e sua relação com o poder público?

Sou um militante convicto e muito envolvido na luta pela cultura de meu país e como dirigente de uma entidade como a Cooperativa Paulista de Teatro, é natural que eu me envolva em embates e diálogos com as gestões públicas. A experiência é valiosíssima e tenho aprendido muito com toda essa agenda que considero positiva na militância, mas é claro que avalio o momento político como o de maior retrocesso na historia recente do Brasil.

A captação de recursos para o desenvolvimento de um projeto teatral é muitas vezes complexa e frustrante. Como avalia os editais?

Não sou favorável à política de editais. Creio que política pública não se faz dentro de gabinetes e o que queremos são políticas estruturantes que não dependam de governos de plantão.

Qual a principal dificuldade do Redimunho ao desenvolver seus projetos?

O Redimunho é um grupo muito grande, com muitos artistas envolvidos, e nossa maior dificuldade sempre está na precarização do nosso trabalho.Temos alguma politica, mas é insuficiente para grupos com tanta gente como o nosso.

Brecht afirma que “O teatro épico é um teatro altamente artístico, denota um conteúdo complexo e, além disso, profunda preocupação social.” Em sua opinião, nosso teatro tem ocupado espaço significativo para reflexão e transformação de nossa sociedade?

O teatro em São Paulo é muito potente e temos as mais variadas experiências por aqui. Não posso dizer que estamos conseguindo transformar a sociedade, mas posso dizer que estamos tentando proporcionar o debate e trazer reflexão, buscando propor o exercício da cidadania.

Vivemos um momento político e social bastante conturbado. A sensação é de estarmos cercados por uma moralidade doentia e perigosa, fruto de uma sociedade equivocada, movida por falsos valores, onde peças de teatro são censuradas, exposições de arte canceladas e performances interrompidas. Algum antídoto para isso?

A única forma é resistirmos a todo tempo. Estamos passando por um golpe jurídico midiático e o nosso modo de ver o mundo não está contemplado nesse pensamento que assaltou o país. Nós somos, por natureza do oficio, sujeitos transgressores e, portanto, rebeldes ao modo conservador e protonazista que surgiu antes, durante e após a quebra da nossa jovem democracia.Essa doença do ódio ao diferente é típica de processos golpistas.

No mais recente e premiado espetáculo do Redimunho, Siete Grande Hotel: a sociedade das portas fechadas, temas como a guerra, o cotidiano, o exílio e a memória se fundem com raro vigor. Como foi seu processo de construção?

Foi uma viagem enorme entre a estética e a palavra, que propunha uma experiência do público pelo campo da imagem e das sensações. A gente queria mesmo que o público vivesse uma situação em que pudesse contemplar o lugar que se encontrava e ao mesmo tempo pudesse sentir a palavra. O processo de construção foi ler desde Primeiras estórias, do Rosa, até A Condição Humana, da Hannah Arendt, mas sempre acompanhado de inúmeros laboratórios cênicos, em que levantamos centenas de cenas para encontrarmos alguma coisa que nos desse um norte para encenar a peça. Imagine um coletivo pirando, por 14 meses, com uma imensidão de questões que sabíamos que nunca poderiam ser respondidas. Esse foi nosso processo.

Siete Grande Hotel apresenta uma perspectiva grotowskiana em sua estrutura, pois o espectador fica bem próximo da cena. Que critérios cênicos são priorizados em suas encenações? Ao montá-las, pensa num determinado tipo de público?

Não penso nada! Só penso em ser fiel ao que naquele processo me conduziu como uma bússola. A partir das questões que surgem a cada momento, eu reavalio o que pode ser mais importante para contar a história que resolvemos encenar. Não é fácil, mas é preciso sempre entender que não teremos respostas e que tudo pode dar errado ao final da travessia e nem sempre dar errado significa ser ruim para o processo.

Alguma predileção entre escrever e dirigir?

Escrever me é dolorido, mas gosto muito. Dirigir é um caminho que eu também gosto, mas menos.

Pode nos adiantar o que virá após Siete Grande Hotel?

Quero montar um projeto antigo, que provisoriamente chamo de Vento Sul, uma pesquisa nos universos de Erico Verissimo, Gabriel Garcia Márquez e Lorca. Não sei como vai ser, mas é um desejo.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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