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“A ridícula ideia de não voltar a ver-te” de Rosa Montero

Ficha técnica

Título – A ridícula ideia de voltar a ver-te

Autora – Rosa Montero

Editora – Porto Editora

Páginas – 176

 

Opinião

Em fevereiro deste ano li pela primeira vez Rosa Montero e apaixonei-me por esta escritora espanhola. Ao encerrar a leitura de Amantes e Inimigos (podem consultar a correspondente opinião aqui), disse para mim mesmo que finalmente havia encontrado a perfeita companhia feminina para a outra “deusa” das letras espanholas que me abalroa sempre que leio algo que sai das suas mãos – tive assim a certeza de que Rosa Montero iria sentar-se lado a lado da “minha” Almudena Grandes e percebi também que teria que ter acesso a outras obras suas.

Tenho o hábito, como o tem qualquer livrólico que se preze, de carregar para todo o lado o livro que estou a ler no momento. E é óbvio que também o carrego para o trabalho, pois há que aproveitar cada momento livre para “devorar” mais umas páginas. Este meu hábito não passa despercebido e faz com que muitas das conversas que entabulo com colegas sejam sobre livros e correspondentes leituras. Nos dias em que carreguei para a escola Amantes e Inimigos tive a sorte de, num momento de pausa, estar sentada ao lado de uma colega que partilhou comigo o quanto gosta de Rosa Montero e que não se importaria nada de emprestar-me duas das suas obras que a haviam deixado maravilhada – A ridícula ideia de não voltar a ver-te e A louca da casa.

Em consequência do referido entusiasmo demonstrado pela colega, tive que abdicar da mania das leituras por ordem cronológica. Bom, abdicar não abdiquei totalmente (how could I?…), mas determinei que acabaria de ler os livros que comprara em setembro do ano passado, o livrinho que me ofereceram em outubro e antes de embarcar nas de novembro pegaria num dos empréstimos.

Peguei em A ridícula ideia de não voltar a ver-te como poderia ter pegado em A louca da casa. Quis o acaso que optasse pela obra que junta aspetos biográficos de duas enormes mulheres que partilharam uma das maiores dores – a de perder cedo demais (é sempre cedo demais…) o homem, o companheiro, o amigo, o amante, aquele que estava destinado a dividir a vida connosco.

Esta dor, uma dor verdadeira, é indizível e parece-se muito com a loucura. “O cérebro não consegue compreender que tenha desaparecido para sempre. (…) Mas como, “não o verei mais?” Nem hoje, nem amanhã, nem depois de amanhã, nem dentro de um ano? É uma realidade inconcebível, que a mente rejeita: não o ver nunca mais é uma piada de mau gosto, uma ideia ridícula.” Uma dor que embota os sentidos, que fez com que Marie Curie desabafasse no seu diário dizendo que, um quarto de hora após ter-se levantado relativamente tranquila, tinha outra vez vontade de “uivar como um animal selvagem”. Isto quase um mês depois do seu marido, Pierre, ter morrido atropelado por uma carruagem. Isto escrito por uma mulher inteligentíssima, cujo semblante transparece (em todas as fotos que se lhe conhecem) frieza, distância e autoritarismo, uma mulher que dedicou toda a sua vida às ciências, às experiências, ao que se vê como exato, racional.

O referido diário da mulher que ganhou por duas vezes o Prémio Nobel é o ponto de partida para uma obra que reúne apontamentos de biografia, de autobiografia, de ensaio, de memórias e de muito mais. Rosa Montero parte realmente da descoberta desse diário e das consequentes leituras que fez de biografias de Marie Curie para partilhar connosco a vida desta extraordinária mulher, a dor surda e indizível pela morte repentina do marido, a extrema importância dos seus achados para o mundo da ciência e a luta que travou ao longo da sua vida com uma sociedade e uma mentalidade que olhavam para a mulher como um ser inferior e destinado a afazeres domésticos e familiares. Contudo, A ridícula ideia de não voltar a ver-te não é apenas uma obra sobre Marie Curie. É isso e muito mais. Caramba, é muito mais!

Enchi páginas e páginas do meu caderninho de apontamentos com fragmentos, passagens e expressões que me tocaram e agarraram. Rosa Montero, tal como já referi, sabe como ninguém o que é perder o companheiro de uma vida. Por isso traça um paralelismo entre a sua dor e a de Marie Curie e fá-lo de uma forma tão vívida, tão sentida, que é impossível não sentirmos como nossa um pouco dessa dor – “… sinto falta de conhecer também o passado, a vida de Pablo que eu não vivi. Quero saber tudo acerca dele. Se o conseguisse, e em absoluto, seria como se ele não tivesse morrido.” “ Aqueles dias que passei com Pablo em Nova Iorque, um mês antes de lhe terem diagnosticado o cancro, são agora uma memória incandescente: ele estava mal e eu não sabia; o desconhecimento abrasa, o pensamento é persecutório; a inocência de ambos antes da dor, insuportável.” “Pablo, que pena ter esquecido que podias morrer, que podia perder-te. Se tivesse essa consciência, ter-te-ia amado não mais, mas melhor. Ter-te-ia dito muito mais vezes que te amava. Teria discutido menos por tontices. Ter-me-ia rido mais. E até me teria esforçado por aprender o nome de todas as árvores e por reconhecer todas as folhinhas. Já está. Já o fiz. Já o disse. De facto, consola.”

Acho que pelos fragmentos que aqui deixo dá para ter noção do quanto tenho razão ao elevar Rosa Montero a um patamar até agora reservado apenas a uma espanhola. O que ela põe de si, da sua visão das pessoas e do mundo, das suas convicções transborda para uma obra que põe a nu e em completa evidência uma escrita pejada de emoção, de sinceridade, de comunhão e de vidas vividas por gente famosa, mas que ao fim do dia são como qualquer um de nós e que quebram e uivam de dor, que lutam num mundo desigual e que almejam, mais do que tudo, usufruir de uma vida feita de pequenas banalidades, de uma intimidade que é sinónima de conhecer alguém, de possui-lo, de aceitá-lo, de amar as manias de um companheiro e sorrir perante a imagem não muito clara que não deixa adivinhar onde começa um e acaba o outro. Deliciosamente sublime!

Voltei a ler o que escrevi até aqui e continuo com a sensação de que não estou a ser capaz de fazer justiça a esta obra. Quero mesmo que quem leia esta opinião tenha uma vontade irresistível de ler Rosa Montero, de saborear como eu a sensação de que ela parece estar mesmo a confidenciar-nos o lado mais íntimo da sua vida e da sua escrita, de sentir o coração a encolher e suster a respiração perante trechos dolorosamente reais e próximos de nós. Quero mesmo que sinta o orgulho que senti quando a autora cita Fernando Pessoa ou admite a predileção que tem por Paula Rego. Quero mesmo que se lhe ilumine o sorriso e acene de concordância como eu o fiz ante a inegável verdade do quanto a arte, a literatura consegue transformar um sofrimento que nos parte a espinha numa coisa bela – “Esmagamos carvões com as mãos nuas e às vezes conseguimos que pareçam diamantes.” Enfim, quero mesmo que leiam Rosa Montero, que conheçam as suas letras e se apaixonam pelas mesmas. Como eu!

NOTA – 09/10

Sinopse

Quando Rosa Montero leu o diário que Marie Curie começou a escrever depois da morte do marido, sentiu que a história dessa mulher fascinante era também, de certo modo, a sua. Assim nasceu A ridícula ideia de não voltar a ver-te: uma narrativa a meio caminho entre a memória pessoal da autora e as memórias coletivas, ao mesmo tempo análise da nossa época e evocação de um percurso íntimo doloroso. 

São páginas que falam da superação da dor, das relações entre homens e mulheres, do esplendor do sexo, da morte e da vida, da ciência e da ignorância, da força salvadora da literatura e da sabedoria dos que aprendem a gozar a existência em plenitude.

Um livro libérrimo e original, que nos devolve, inteira, a Rosa Montero de A Louca da Casa – talvez o mais famoso dos seus livros.

 

in O sabor dos meus livros

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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