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“O rapaz e o pombo” de Cristina Norton

Ficha técnica

Título – O rapaz e o pombo

Autora – Cristina Norton

Editora – Oficina do Livro

Páginas – 268

Opinião

O rapaz e o pombo não foi apenas mais uma obra que li acerca das atrocidades cometidas contra os judeus em prol da supremacia da raça ariana. O desconcerto, a dor, o horror, o murro no estômago nunca perdem intensidade, tenha lido um ou dezenas de livros sobre o tema. Continuo a não ser capaz de entender como é que o ser humano pode ser tão desumano com outro apenas porque esse outro professa outra religião, acredita em outros ideais, não segue a mesma orientação sexual ou simplesmente nasceu com outra cor de pele. Continuo a não ser capaz de entender e sinto que a “batalha” que eu e aqueles que também não são capazes de entendê-lo está infelizmente a ser paulatinamente mais difícil de travar, que estamos a perder terreno face ao renascer da barbaridade, da tortura, do controlo, do fanatismo. Perspetiva-se um futuro que vai buscar ao passado o que de pior ele teve.

É por causa dessa perspetiva inqualificável, de tão medonha que é, que urge continuar a vasculhar os hediondos exemplos do passado, partilhá-los com o maior número de pessoas para que a sanidade do mundo em que vivemos não se perca sem volta. Assim, alio o prazer da leitura com a necessidade que tenho de saber, de saber mais sobre tudo o que nos rodeia, sobre quem somos, quem fomos e quem temos que ser como homens e mulheres decentes, respeitadores e que se comportam como seres racionais que somos. Porque o passado e infelizmente o presente em que vivo já nos deram provas mais do que suficientes de que sabemos ser escumalha.

Um dos períodos mais negros e repugnantes da História Mundial foi, sem dúvidas nenhumas, aquele que dizimou milhões e milhões de pessoas apenas porque um ser profundamente maquiavélico e psicopata chegou ao poder de um país humilhado por uma recente derrota e, através de uma ideologia fanática, fez uma lavagem cerebral à maioria da sua população e a levou a crer que o judeu com quem trabalhava, que era o vizinho de uma vida, que o tratava quando estava doente era inferior a um animal, que era a representação do pior dos males e que, como tal, devia ser exterminado. O rapaz dono de um pombo era um desses judeus, um menino filho de um médico respeitadíssimo e de uma enfermeira muito competente, irmão mais novo de uma pré-adolescente com quem andava amiúde às turras e neto de avós carinhosos e dedicados. Um menino igual a tantos, mas de que quase todos se afastam como se estivesse infestado de parasitas desde que determinaram que, mesmo tendo nascido na Alemanha, era o pior dos inimigos da “sua pátria”.

A obra de Cristina Norton retrata a vida da família do rapaz do pombo, as agruras que sofreram na pele como judeus, as tentativas para fugirem à mão assassina dos nazis e o destino que partilharam com milhões de outros judeus e que se adivinha qual foi observando a capa do livro. É uma narrativa que é ocasionalmente interrompida por partes que estão escritas com um tipo de letra diferente e que estão associadas a testemunhos verídicos de duas mulheres nomeadas pelo seu nome próprio e que cujas vidas “tropeçaram” na do rapaz do pombo e familiares mais próximos. Lilo é alemã e amiga da irmã do protagonista que dá título à obra. Rute é judia e foi por breves tempos vizinha da família do rapaz. Ambas, com os seus testemunhos, ajudam a contextualizar os dois lados desta contenda bárbara, a voltar a provar, por um lado, que nem os alemães eram simpatizantes de Hitler e, por outro, a deixar-nos sem fôlego perante um sofrimento e uma dor intraduzíveis e impossíveis de imaginar.

É óbvio que não foi uma leitura fácil. Roí unhas, fechei os olhos, respirei fundo, contive a respiração e chorei. Chorei muito. Mas também é verdade que não podia deixar de fazê-lo, de ler mais uma obra que nos ensina, que nos mostra de forma crua e dura o que se já fez de mais monstruoso e o que não se pode repetir. Ou melhor, continuar a repetir. Os últimos sobreviventes de Auschwitz estão a partir. Mas temos os seus testemunhos. E temos os testemunhos de gente deste século que sobreviveram ou perderam entes queridos nos atentados de Paris, de Barcelona, de Nice, na guerra da Síria, do Afeganistão. A Segunda Guerra Mundial terminou em 1945, mas o Homem não aprendeu. Continua a matar e a torturar. E temo que continuará e que essa matança e tortura não será residual.

Termino por aqui. Necessito ver o sol, o sorriso do meu filho.

Leiam esta obra. Não foi aquela que mais me preencheu sobre o tema. Mas isso é secundário. Conheçam o rapaz do pombo, a sua família (dos quais nunca sabemos o nome), judeus, homens, mulheres e crianças como tantos de nós. Conheçam a sua história, aprendam com ela.

NOTA – 08/10

Sinopse

A história, passada entre os anos 1930 e 1958, gira à volta de três personagens. A principal é um rapaz judeu, que descobre o ódio, o desalento, a ternura e o amor à vida. As personagens à volta dele representam todas as pessoas que passaram por uma das maiores injustiças de todos os tempos. Cristina Norton sentiu também que tinha o dever de escrever e denunciar o que por vergonha as mulheres que haviam sido obrigadas a prostituir-se nos campos de concentração não ousavam contar.


in O sabor dos meus livros

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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