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O pecado original da tributação conjunta do AIMI

1.

A Lei do Orçamento do Estado para 2017 introduziu, sob a designação de “Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis” (AIMI), um novo imposto, com incidência e taxas autónomas do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e com características de imposto sobre o património imobiliário global.

2.

Foi na proposta de Lei do Orçamento para 2017 que surgiu a “revolução”, acompanhada da eliminação da Verba 28 no Imposto do Selo. Pretendia o Governo — e os partidos que o apoiam no Parlamento — que o novo imposto funcionasse em moldes “semelhantes mas distintos” aos de uma nova sobretaxa, mas com natureza ordinária e permanente. Sobrepunha-se, assim, ao IMI um novo imposto, mantendo aquele características de imposto “principal”, que continuaria a gozar, no plano normativo, de autonomia relativamente ao novo imposto estadual a criar.

Esse “adicional” ao IMI não pareceu assumir-se, ainda assim, como mero imposto dependente desse outro imposto principal anteriormente já existente, havendo lugar ao seu pagamento mesmo que não houvesse IMI. Parecia revestir, antes, as características próximas de um imposto “acessório”, não se assumindo, assim, nem como verdadeiro “adicional”, (sobre a colecta) nem como mero “adicionamento” (sobre a matéria colectável) do IMI (não fora este receita autárquica…), pois apenas se aproveitou da base de incidência desse imposto principal — o Valor Patrimonial Tributário da globalidade dos prédios urbanos na titularidade dos contribuintes, solteiros, casados ou unidos de facto.

3.

O novo imposto afastou, também, na essência, os princípios e orientações do IMI. Assumiu características de imposto progressivo, tendo isenções de base e dedução à colecta em rendimentos prediais, como no IRS, numa estrutura que legitimou, não o princípio do benefício (inato ao IMI), mas da capacidade contributiva, como nos impostos sobre o rendimento, assemelhando-se o novo imposto sobre (a globalidade do) património imobiliário com algumas características de imposto pessoal.

4.

O AIMI passou a ser liquidado anualmente, desde este mesmo ano de 2017, em Junho de próprio ano a que respeita, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constam das matrizes prediais a 1 de Janeiro, para pagamento em Setembro. Tal constituiu novo “desvio”, intencional, em relação ao IMI, o qual, como é sabido, é liquidado com base nos valores patrimoniais tributários (de cada um) dos prédios dos titulares que constam das matrizes prediais a 31 de Dezembro do ano anterior ao do pagamento, sendo a liquidação efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte, e o pagamento efectuado até três prestações, dependendo do montante em causa, em Abril, Julho e Novembro.

5.

No que concerne a contribuintes casados ou unidos de facto, e à semelhança do IRS, o regime do AIMI permitiu a tributação conjunta, somando-se os valores patrimoniais tributários dos prédios de que cada cônjuge ou unido de facto seja titular, assim multiplicando, neste caso, por dois (€600.000 x 2 = € 1.200.000) o valor da dedução ao valor tributável.

6.

Quis o legislador, porém, que o regime de tributação conjunta — que, necessariamente, beneficia quem por ele opta — não fosse automático, nem iniciativa da Administração tributária, impondo aos sujeitos passivos (mais) uma declaração — a apresentar exclusivamente pelo Portal das Finanças —, para a opção nesse sentido, a qual teria de ser efectuada, todos os anos – 2017 incluído – entre 1 de Abril e 31 de Maio. Ora, esta opção do legislador é discutível do ponto de vista constitucional, caso se verifique que o racional da opção não existe e que implica, como parece, sempre receita fiscal adicional.

7.

Estabelecendo o legislador um regime, próprio e especial, na determinação do valor tributável, o regime da tributação conjunta previsto para o AIMI assume natureza de (verdadeira) norma de incidência e surge encapotado sob o ónus da apresentação de uma declaração anual, obrigatória. E atendendo a que a opção pelo regime de tributação conjunta favorece, na totalidade dos casos, os sujeitos passivos casados ou unidos de facto — o que, quer o legislador, quer a Administração tributária, tinham e têm a possibilidade de verificar e determinar fácil e previamente —, e atenta ainda a natureza do objecto da tributação em causa (imóveis), a existência da obrigação declarativa para assinalar tal opção e a obrigatoriedade de repetir essa opção anualmente, constituem medidas inidóneas e intoleráveis, do ponto de vista constitucional quanto ao fim que alegadamente visam prosseguir.

8.

A obrigação declarativa é restritiva dos direitos dos sujeitos passivos, pois, verificando-se que na matriz predial consta, apenas, um dos cônjuges ou unidos de facto, o não exercício da opção pela tributação conjunta significa que esse cônjuge ou unido de facto se confrontará com uma base tributária bem mais elevada e com uma tributação bem mais agravada em sede de AIMI, sendo que, naturalmente, sempre optaria pelo regime da tributação conjunta uma vez que este sempre também o beneficiaria em qualquer situação. E, neste prisma, trata-se de medida manifestamente dispensável, atendendo a que os sujeitos passivos casados ou unidos de facto sempre optariam pelo benefício da tributação conjunta em sede de AIMI, não sendo constitucionalmente tolerável que o legislador, artificialmente, imponha tal opção, cujo efeito, em caso de omissão, é, pura e simplesmente, o de imposto adicional a pagar.

9.

Não se alcança, pois — sem que seja com intuito de exigir de forma intolerável receita fiscal adicional — a exigência de uma nova declaração, com modelo próprio (publicado pela Portaria n.º 90-A/2017, de 1 de Março), apenas para manifestar uma intenção que deveria e poderia ser automática e, igualmente, ser presumida, no caso de os contribuintes terem optado também pela tributação conjunta em sede de IRS. E nesta primeira “experiência” do AIMI se comprova que muitos contribuintes casados ou unidos de facto não se terão “lembrado” desta obrigação declarativa, acreditando que a tributação conjunta seria mesmo a aplicável, por a propriedade do imóvel ser conjunta, atento o regime de bens aplicável ou a escolha da tributação conjunta para efeitos de IRS, operada no meses imediatamente de Abril e de Maio. Tal significou, ao contrario, a notificação recente de uma liquidação adicional de AIMI.

10.

O certo é ainda, ultrapassado o prazo para a apresentação da opção (31 de Maio), que o Portal das Finanças impede a apresentação da declaração, medida igualmente restritiva e desproporcionada, dada também a possibilidade da apresentação fora de prazo, com sujeição a coima, das declarações tributárias. Ultrapassado, assim, o prazo de apresentação da declaração, deveria ter sido garantida, na aplicação disponível no Portal das Finanças, a declaração fora de prazo, considerando, nesse caso, a coima aplicável e o montante de imposto liquidado.

11.

Em suma, é bem questionável, nestas condições, sobretudo do ponto de vista constitucional, a opção legislativa de uma obrigação declarativa pela tributação conjunta, incluída no regime do AIMI, que revela um “expediente” só possível de justificar com o objectivo de obtenção de receitas fiscais adicionais, assim ilegítimas, por o legislador criar um ónus artificial (um “alçapão”) que o Estado de Direito e os princípios constitucionais da confiança e da proporcionalidade (no sentido de adequação ao fim ilegítimo a que se destina) certamente não irão tolerar, exigindo a intervenção dos Tribunais Tributários e do Tribunal Constitucional.

Rogério M. Fernandes Ferreira

Álvaro Silveira de Meneses

www.rfflawyers.com

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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