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Pantominice

© Pixabay

O Estado inovou na necrolatria. Decidiu que os cemitérios – o Panteão Nacional é, a começar, um cemitério de pessoas ilustres – também têm potencial festivo capaz de gerar receita. Jantar na companhia de defuntos já pode ser, com aval dos responsáveis públicos. Supõe-se que achem “chic”. Uma espécie de Halloween para novos-ricos em poder que não basta ter, tem de se ostentar, mesmo que à conta do absurdo e do grotesco, para que seja notado. Tudo se compra, vende e aluga. Nem os mortos escapam. Valores, princípios, respeito… coisa mais velha. O eterno descanso já era.

Felizmente, há também quem se indigne. Quem não aceite o desrespeito aos finados depositados em túmulos, com a mesma facilidade com que se cozinham geringonças à margem de outras urnas. António Costa percebeu-o rapidamente. E no controlo de danos, sempre centrado no “focus group” e nas reações das redes sociais, fugiu outra vez para a frente à boleia da costumeira “espertice”: a culpa é dos outros.

Este não é só um episódio, nem mais uma mentirinha apenas. É todo um procedimento de um Governo que faz só seus os méritos alheios se as coisas correm bem e nunca tem culpa nem assume responsabilidades quando as coisas correm mal. O Estado falhou quando houve incêndios e mortos, a culpa foi do anterior Governo; há problemas nos hospitais, a culpa é do anterior Governo; desperdiça fundos europeus, a culpa é do anterior Governo; autoriza jantares no Panteão Nacional, a culpa também é do anterior Governo. Que pantominice.

Nesta linha, o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, veio lesto argumentar que “a decisão foi tomada ao abrigo do despacho adotado pelo anterior Governo”. Nem de propósito, os noticiários mostraram um responsável da Web Summit, eufórico com a inusitada transformação do Panteão Nacional em adereço festivaleiro a dizer: “falei com o ministro e este é o primeiro jantar aqui.” Falta saber se “o ministro”, é o ministro da Cultura. De todo o modo, a desculpa mal-amanhada equivaleria a ter um “sunset” no cemitério dos Prazeres e na gestão do escândalo, ouvir-se o responsável defender que a culpa foi de quem lhe deu o nome.

Por maioria de razão, ter o primeiro-ministro a declarar a iniciativa “absolutamente indigna do respeito devido à memória dos que aí honramos”, sabendo-se que a Associação de Turismo de Lisboa, de que era presidente, organizara em 2013 um almoço no Panteão Nacional, não tem sequer classificação. Diz tudo, mesmo tudo, da massa de que este Governo é feito. Talvez mais grave, impressiona que tantos não se importem nada com isso.

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