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Obrigado Facebook

O Facebook proporciona a todos os seus utilizadores a oportunidade de se manterem em contacto uns com os outros, a oportunidade única de rever velhos amigos e a chance de fazer novos amigos. O Facebook proporciona novos caminhos à cultura e aos seus canais de divulgação, que nunca como antes ofereceu uma chance tão simples e acessível, contribuindo assim para o nosso crescimento e enriquecimento cultural como pessoas e…

“- Mas…este tipo tá a falar de quê?”

Que bom que é termos um Facebook que nos mantenha a todos ocupados, a mostrarmos uns aos outros o quanto somos bonitos, como comemos bem e como vestimos melhor.

Que bom que é termos um Facebook que nos dá a oportunidade de tirarmos fotografias a nós mesmos e a tudo o que nos rodeia, e que indireta ou diretamente nos diga respeito.

Que bom que é termos um Facebook que nos dá a oportunidade de partilhar com o mundo e as pessoas, nossos companheiros da mesma espécie, tudo o que fazemos, tudo o que fizemos e tudo o que planeamos fazer, esperançosos que um like apôs outro, nos dê a força suficiente para continuar esta hilariante andança, felicíssimos da vida porque afinal o Facebook, mesmo que modestamente, nos deu a oportunidade de pelo menos sentir o suave e quase indelével sabor da fama, mas que, para quem veio do nada nessas andanças, aceita a oferenda como um ensejo que a ser desperdiçado poderia ser visto como um pecado.

Que bom que é ter um Facebook que proporciona o contacto e a partilha de amizades, e para muitos, a oportunidade de partilhar certos absurdos, alguns dos quais expondo ao ridículo algumas das piores qualidades que um ser humano tem, em especial a ignorância de atitudes e atos, mostrando o quão longe estamos em alcançar comportamentos condignos de uma espécie considerada “a mais inteligente do planeta”.

Que bom que é, que o Facebook nos mantenha a todos entretidos absurda e pateticamente embebidos nesta nova espécie de entretenimento, divididos entre as gargalhadas que nos advêm de certos vídeos apalermados, e os likes que como um combustível nos alimentam a força deste nosso narcisismo, sempre tão difícil de controlar. José Saramago dizia, “toda a gente necessita que lhe queiram bem”.

E os responsáveis pelo Facebook também eles sabem o que gostamos, o que queremos, onde estamos, e para onde queremos ir, sabem o que sonhamos, e essas informações são-lhes utéis, muito utéis…

Que bom que é, enquanto o mundo se desmorona à nossa volta, a natureza se manifesta descontente com o tratamento que lhe damos, e os maiores e mais perigosos inimigos da humanidade continuam a ser os humanos, continuemos todos de cabeça baixa, focados nas nossas patetices expostas e divulgadas no Facebook, enquanto que a guerra na Síria continua a ceifar milhares de vidas inocentes, apanhados entre a fúria de um governo que não tem qualquer pejo em matar os seus cocidadãos em nome de uma sedenta ânsia de poder a que se recusa largar, e os rebeldes que são tão bons como o outro lado, e uns e outros apoiados por interesses internacionais tão difíceis de entender, numa espécie de atira a pedra e esconde a mão.

E o mundo nada faz. E nós nada fazemos. E as nações unidas, com os seus conselhos de segurança, que não oferecem segurança nenhuma, lá acabam por se reunirem já depois de milhares terem sucumbido à violência desumana, que de tão frequente, guerra após guerra, genocídio após genocídio, se tornou numa coisa tão humana, e aprovam uma resolução que não tem qualquer efeito prático em salvar uma única vida que seja.

E é tudo culpa deles. Eles os governos, eles os políticos, eles os militares, eles os rebeldes, e eles, nós, que desesperadamente baixamos a cabeça para um mundo virtual, indiferentes ao sofrimento dos outros…

Não é nada disso. Agora não estou a ser justo. Claro que nos custa, claro que nos dói sempre que desviamos os olhos do Facebook e da nossa narcisista personalidade que ele pôs a descoberto, e, às vezes mesmo sem querer, damos de caras com as imagens chocantes de crianças vítimas de um όdio que lhes rasga de maneira brutal à inocência, a verdadeira essência de que são feitos os seres humanos, pondo a descoberto a dura realidade de uma espécie que se calhar evoluiu de uma besta surgida do tempo das trevas, à medida que durante o passar dos tempos foi deixando cair as escamas da sua brutalidade, revestindo-se aos poucos de uma nova abordagem ao comportamento entre si, humanizando-se mas com um longo caminho ainda a percorrer.

Finalmente se compreende que se é certo de que fizemos um enorme progresso desde que andávamos por aí atrás dos arbustos a comer raízes das árvores, a viver em cavernas e a passearmos de tanga feita de folhas, também é certo que há ainda um longo caminho a percorrer até que a espécie atinga o seu nível de inteligência máxima. Obrigado Facebook por nos mostrares certas evidências de um passado recente, que como um mapa mostras em que ponto da estrada nos encontramos, até completar a caminhada. A jornada advinha-se longa…

É claro que nos custa ver e ouvir os gritos de horror, o desespero, o sangue, as feridas e a morte que se soltou à volta desta gente que o mundo abandonou, a expressão do medo e da incompreensão estagnada naqueles rostos de crianças inocentes e de pais e irmãos avós e netos, até porque também temos famílias, até porque também temos filhos, e pais e ou somos avós, e a nossa natureza é imaginar que poderia estar a acontecer a qualquer um de nós.

Custa-nos, mas estamos ocupados no Facebook. Custa-nos, mas acabamos de tirar uma fotografia que nos apanhou um sorriso de um ângulo nunca visto. Custa-nos, mas o jantar está pronto e antes de nos atirarmos a ele de garfo e faca precisamos de o expor ao mundo para aprovação. Custa-nos, mas agora mesmo alguém colocou um vídeo que ainda mal começou e já as gargalhadas abafam os gritos de desespero, os olhos deslizam das imagens de horror e voltam a ligar neste tipo, tão engraçado, tão humoristicamente macabro, vai por aí a desafiar as pessoas numa estúpida provocação que tem mais de ridícula do que engraçada.

E os líderes das nações nada fazem para parar o sofrimento imensurável de um povo e a destruição completa do seu país.

E o conselho de segurança das nações unidas aprovou resoluções que não serviram para mais nada a não ser para justificarem os ordenados chorudos de quem aprova essas resoluções, os hotéis, as call girls, os carros de luxo e os ordenados dos motoristas que os conduzem.

E nós, ficamos pelo Facebook divididos entre gargalhadas, presunções, ostentações e vaidades, incomodados às vezes pelas injustiças de um mundo tão desigual, mas ao mesmo tempo conformados com a nossa impotência em mudar o rumo às coisas.

E, no entanto, se nos custa assim tanto desviar as atenções do Facebook, o que nos impedirá de o utilizar para que em uníssono, a uma só voz, demos um grito de revolta, saltando depois para a rua, e tal como diz a cancão, “O povo unido jamais será vencido” mostrarmos aos que governam e os que fazem as guerras, que BASTA seus filhos da puta, e de mãos dadas, nós o povo, enchendo as ruas, as praças, as avenidas, façamos uma corrente de solidariedade com o povo da Síria, e do Sudão, e da Palestina, e de todos os outros que padecem, mostrando-lhes que nos importamos com o sofrimento deles, porque somos todos feitos da mesma matéria, corre-nos nas veias a mesma cor de sangue, e por isso todos sentimos, todos sofremos, todos rimos e todos choramos, todos temos medo, e todos estamos fartos.

O povo e só o povo, unido, poderá parar uma calamidade que envergonha qualquer ser humano em qualquer parte do planeta, saindo em massa para as ruas, e pacificamente mostrar aos líderes das nações, ao conselho de segurança das nações unidas e a todos os políticos e militares, que se eles não podem, o povo pode.
Mas estamos ocupados com outras coisas do Facebook que nos interessam mais e incomodam menos, e de todos os utilizadores da página onde este texto irá parar, nem sequer um por cento chegou tão longe a ler estas palavras, e mesmo de esse um por cento, a maioria desistiu de ler logo nos primeiros parágrafos, e a partir daí fiquei a falar sozinho… Não se criou o Facebook para estas lamechices.

Mesmo assim não me calei. Continuo a falar na esperança de que às vezes uma meia dúzia deles possa fazer a diferença de um cento. Continuarei a tentar.
Mas não me calei, para que um dia, quando me prostrar diante de Deus possa dizer- “Senhor, nada pude fazer para evitar o sofrimento dessas crianças, e de todos os outros meus semelhantes, sofrimento tão atroz que me cortou o coração, mas levantei a minha voz e não fiquei indiferente…”

E depois lá me amanharei para explicar outros pecados…!

Obrigado Facebook.
(E, no entanto, se vai utilizar o Facebook faça-o com moderação e responsabilidade…)

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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