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O trono e o rabo que lá se senta

Vivemos numa época em que se vê cada vez mais que são os respetivos postos e profissões que definem as pessoas aos olhos da sociedade, pondo-se de parte os valores e a integridade que marcam a sua conduta. Não é bem o nosso valor intrínseco como pessoa que conta, mas a nossa posição social e os nossos bens materiais. Ao pensar sobre isto, lembrei-me então de ter lido sobre uma situação algo caricata que se passou no século XVI, mas que, tendo em conta o nosso contexto social, poderia perfeitamente ter acontecido hoje.

Em plena época de absolutismo régio, em que o rei era visto como descendente de Deus, não podendo, por isso, os seus poderes ou as suas decisões serem questionadas, o filósofo Montaigne escreveu, num dos seus ensaios, que “Mesmo no mais alto trono, é um rabo que se senta”. Ao escrever algo assim, tendo em conta o poder incontestável do rei, Montaigne demonstrou uma grande coragem, mas também uma clareza de espírito de enaltecer, pois retratava na perfeição o que se passava na corte, naquela altura. Ainda assim, podemos perfeitamente afirmar que a frase não se esgotou nessa época. Ainda hoje ela continua a fazer sentido, pois, como vinha dizendo, na minha opinião, vivemos hoje numa sociedade que é amplamente influenciada pelas aparências, pelo consumismo e, acima de tudo, pela ostentação. Um alto cargo, um bom carro e uma conta recheada são mais do que suficientes para garantirem o respeito e a admiração daqueles com quem se lida. Contrariamente, humildade, simplicidade e justiça no tratamento com o próximo não parecem ter qualquer valor nessa equação.

É aqui que entra de novo a frase tão certeira de Montaigne. Por mais poderoso e rico que se seja, por mais reputada profissão que se pratique, tudo isso não vale nada se não for acompanhado por um conjunto de valores que orientem essa prática. Todos somos iguais e não é por alguém ser rei de alguma coisa ou de alguém que vai deixar de ser julgado pela sua conduta moral. Isto porque, apesar de tudo, ainda há quem consiga perceber quem verdadeiramente merece o seu respeito, quem deve verdadeiramente ser admirado. Contra todas as expectativas, ainda são alguns aqueles que sabem que vivemos numa verdadeira feira das vaidades e que não deixam que isso tolde o seu julgamento até porque “até no mais alto trono, é um rabo que se senta”.

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