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O Operário em Construção

Na quinta-feira passada os meios de comunicação social brindaram-nos com a notícia da morte de mais um trabalhador. É o quarto, o quinto, o sexto caso deste mês – não tenho a contagem por certa. Tenho por certo sim que não morte mais estúpida que aquela que possa apanhar a trabalhar.

«E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:

– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.

E Jesus, respondendo, disse-lhe:

– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.»

Precedido pela eficiente Alemanha (em primeiro lugar), por Portugal e pela França, o Luxemburgo era em 2013 o quarto país com maior incidência de acidentes no trabalho, assim o demonstram os números do Eurostat e da OCDE.

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Com praticamente ¾ da massa laboral composta por residentes estrangeiros e por transfronteiriços o Luxemburgo terá, talvez, a força de trabalho mais extranacional do espaço europeu. Sendo que o STATEC não disponibiliza dados referentes ao emprego sectorial por nacionalidade resta-nos tão só a observação directa para constatar com grande certeza que a percentagem de trabalhadores luxemburgueses que desempenham tarefas com baixa remuneração é bastante menor que aquela dos estrangeiros e fronteiriços.

«Era ele que erguia casas / Onde antes só havia chão. / Como um pássaro sem asas / Ele subia com as casas / Que lhe brotavam da mão. / Mas tudo desconhecia / De sua grande missão: / Não sabia, por exemplo / Que a casa de um homem é um templo / Um templo sem religião / Como tampouco sabia / Que a casa que ele fazia / Sendo a sua liberdade / Era a sua escravidão.»

Tendo inicialmente sido “chamados” ao Luxemburgo para o trabalho nas minas de ferro e siderurgias os trabalhadores, nessa altura sobretudo de origem italiana, rapidamente, mas não sem grande dificuldade, se organizaram em sindicatos e fizeram face à “tradicional” exploração do trabalhador que (já) então se fazia notar. Disso mesmo nos dá conta o “panfleto propagandístico” em formato cinematográfico que a OGBL encomendou para celebrar o centenário da luta organizada dos trabalhadores no Luxemburgo – Streik de seu nome. Luta essa marcada por repressão significativa por parte do patronato local e estrangeiro com recurso às forças de ordem, nalguns momentos, sem pudor algum.

«De fato, como podia / Um operário em construção / Compreender por que um tijolo / Valia mais do que um pão? / Tijolos ele empilhava / Com pá, cimento e esquadria

Quanto ao pão, ele o comia… / Mas fosse comer tijolo! / E assim o operário ia / Com suor e com cimento / Erguendo uma casa aqui / Adiante um apartamento / Além uma igreja, à frente / Um quartel e uma prisão: / Prisão de que sofreria / Não fosse, eventualmente / Um operário em construção.»

Rapidamente a comunidade imigrante cresceu como resultado de satisfazer as necessidades por esse aumento da população, como que numa espiral ascendente que ainda se verifica nos dias de hoje. Compondo o grosso do operariado, proletários por definição pois mais não possuíam de seu que a força de trabalho, tínhamos a população estrangeira. Foi por isso natural que a condução do movimento dos trabalhadores fosse abraçada por estrangeiros – destacando-se aqui os italianos.

Como justamente o retracta o filme de Andy Bausch foram inúmeras as conquistas do movimento sindical no Luxemburgo. Guindados de simples operários a dirigentes, estes homens souberam impor as suas regras ao patronato e ao governo Grã-Ducais.

«Notou que sua marmita / Era o prato do patrão / Que sua cerveja preta / Era o uísque do patrão / Que seu macacão de zuarte / Era o terno do patrão / Que o casebre onde morava / Era a mansão do patrão / Que seus dois pés andarilhos / Eram as rodas do patrão / Que a dureza do seu dia / Era a noite do patrão / Que sua imensa fadiga / Era amiga do patrão.»

Tal como o Operário em Construção de Vinicius de Morais, também o patrão luxemburguês foi reparando nesta (im)paridade e, mais cedo que tarde os “homens do batente” foram sendo substituídos por uma elite de dirigentes de colarinho branco. Mais polidos no trato, menos reivindicativos e, mais importante, luxemburgueses. Certo que estamos no Luxemburgo e não se pretende aqui cuspir no prato que comemos, mas como nos diz Vinicius a marmita do operário estrangeiro não é o prato do empregado nacional.

Perto do final do opus propagandístico podemos assistir a um dirigente sindical que insinua estarem ultrapassadas as “lutas de rua”. Fala do fim do desfile do Primeiro de Maio dizendo que hoje em dia os trabalhadores não aderem a esse tipo de manifestações e que o modelo da celebração do Dia Internacional de Trabalhador na recatada Abadia de Neumunster é muito mais adequado – umas salsichas e umas cervejas causam sem dúvida muito menos incómodo que bandeiras vermelhas a subir a Avenida da Liberdade. Já César dizia: pão e circo.

«Sentindo que a violência / Não dobraria o operário / Um dia tentou o patrão

Dobrá-lo de modo vário. / De sorte que o foi levando / Ao alto da construção / E num momento de tempo / Mostrou-lhe toda a região / E apontando-a ao operário / Fez-lhe esta declaração:

– Dar-te-ei todo esse poder / E a sua satisfação / Porque a mim me foi entregue / E dou-o a quem bem quiser. / Dou-te tempo de lazer / Dou-te tempo de mulher. / Portanto, tudo o que vês

Será teu se me adorares / E, ainda mais, se abandonares / O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário / Que olhava e que refletia / Mas o que via o operário / O patrão nunca veria. / O operário via as casas / E dentro das estruturas / Via coisas, objetos / Produtos, manufaturas. / Via tudo o que fazia / O lucro do seu patrão / E em cada coisa que via / Misteriosamente havia / A marca de sua mão. / E o operário disse: Não!

– Loucura! – gritou o patrão / Não vês o que te dou eu?

– Mentira! – disse o operário / Não podes dar-me o que é meu.»

Alguns disseram sim, aqui nesta terra que nos acolhe.

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