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O homem com olfacto infinito

Era uma vez um homem que tinha nascido com um olfacto muito distinto do normal.

Enquanto o olfacto comum nos permite cheirar o que está à nossa volta, seja agradável ou desagradável, conforme aquilo que está perante nós, o olfacto deste sujeito era muito distinto.

Pablo, de seu nome, era um mistério para todos e desde muito novo tinha atraído a curiosidade da comunidade científica, que se encarregou de estudar exaustivamente o tão insólito caso.

Pablo, na verdade, era incapaz de cheirar o que quer que fosse que tivesse um odor. Muito embora fosse incapaz de cheirar o que quer que fosse que possuísse um odor, o seu olfacto fazia-o sentir um cheiro diferente consoante a localização exata em que o seu nariz estivesse.

Quando ele caminhava movia a cabeça para um lado e para o outro, tal e qual um cão que fareja tudo à sua volta quando passa.

Os cheiros que percebia apenas dependiam do sítio do lugar exato onde o seu nariz estivesse.

Para além disso todos os odores que o seu olfacto lhe revelava eram particularmente agradáveis e encantadores. Sempre muito intensos e muito distintos uns dos outros; sempre capazes de o deslumbrar e o enredar em espanto e mistério.

Desde que era garoto que se deslumbrava com a variedade infinita de cheiros que cada lugar cada sítio exato lhe dava a conhecer. É que bastava ele se mover um pouco, e mudar um pouco a localização exata do seu nariz, para um novo odor se dar a conhecer e penetrar profundamente o seu ser. Eram cheiros inebriantes, encantadores, intensos, de uma variedade absolutamente indescritível, que assolavam o seu ser, fazendo-o navegar num mundo de infinitas paisagens oníricas dominadas pelas mais inusitadas e avassaladoras sensações olfactivas que se pudessem conceber.

Pablo não sabia o cheiro de nada. E apesar da sua extraordinária e singular capacidade olfactiva particularmente arbitrária – era incapaz de saborear o paladar dos alimentos.

Era como se as suas papilas gustativas fossem incapazes de dizer ao seu cérebro o que quer que fosse, de modo que quando comia e degustava não sentia qualquer paladar.

Quando comia apenas sentia a textura dos alimentos e era totalmente incapaz de sentir o seu paladar ou odor.

No entanto o seu nariz era uma espécie de aparelho de GPS que parecia conhecer as coordenadas exatas de cada local.

Esse era um dos grandes mistérios que os cientistas tentavam compreender mas que continuava um completo insolúvel mistério por desvendar. Aparentemente, o aparato olfactivo de Pablo era capaz de saber exatamente a localização onde o seu nariz estivesse. Mesmo que lhe vendassem os olhos e o desnorteassem completamente, ele continuava a sentir um cheiro distinto e único em cada lugar exato em que o seu nariz se encontrasse.

Era desconcertante, como Pablo se lembrava tão bem dos cheiros por onde passava. Os cheiros de cada sítio eram únicos, mas também particularmente arbitrários. Nada ligava o cheiro de um determinado lugar exato a outro. Não havia qualquer continuidade nos cheiros. Os cheiros literalmente não ligavam uns com os outros. Eles eram sempre uma descoberta, um fascínio constante, um continuado ímpeto que o levavam a querer conhecer novos sítios, novos lugares.

A cada passo, a cada pequeno movimento, um novo e impensável cheiro, jamais concebido, surgia no seu olfacto. Era um mundo infinito de cheiros e odores magníficos, todos eles atraentes, todos eles deslumbrantes, todos eles cheios de encanto, intensos, magnânimos.

Pablo tinha um olfacto com uma multiplicidade tão grande de odores capazes de serem percebidos, com um manancial tão infindável de colorido e arbitrariedade nos cheiros que sentia, que se podia realmente dizer que o seu olfacto era infinito.

Às vezes Pablo ia caminhar um pouco à deriva para descobrir novos cheiros, novos sítios, novos encantos. Outras vezes ele ia visitar sítios à procura dos seus cheiros dos quais tinha saudades.

E eram tão intensos e arrebatadores que às vezes Pablo ficava horas a fio num determinado lugar exato, como se esse lugar fosse um mundo inteiro, onde houvesse nações, e povos, e culturas, para descobrir.

Havia momentos – tão arrebatadores, em que um cheiro lhe dizia tanto, que o tocava tanto e de tantas maneiras e o fazia sentir tantas coisas, tão intensamente, e o transportava para lugares tão distantes – que eram verdadeiras viagens. Eram verdadeiras descobertas e reencontros.

Pablo vivia numa constante saudade e nostalgia por todos os cheiros e sensações que cada sítio lhe provocava. Mas também num constante ímpeto de descoberta e de curiosidade por ir a novos lugares, por andar um pouco à deriva a descobrir os recantos infinitos de multiplicidade, de variedade e arbitrariedade de cada sítio e de seu cheiro.

Cada lugar, cada sítio, cada cheiro, era uma espécie de caleidoscópio inebriante, fantástico, inusitado, impossível de antever, de imaginar, de conceber. Era uma descoberta pura. Uma fantasia onírica sem fim. Só a intensidade e unicidade de cada um, e a sua capacidade de arrebatamento eram um fator comum. Eram sempre cheiros algo agradáveis, mas também extremamente misteriosos, encantadores e singulares.

Os cientistas tentavam perceber porque Pablo era incapaz de sentir o cheiro e o paladar real do que quer que fosse e porque apenas a localização exata do nariz determinava o cheiro sentido.

Eles faziam inúmeras experiências e exames diagnósticos, uns mais outros menos invasivos, teorizavam imenso, mas o olfacto infinito, particularmente arbitrário e insólito de Pablo continuava um enorme mistério por resolver.

Ninguém na família de Pablo tinha qualquer vestígio de algo semelhante. Pablo era um caso único e inexplicável.

Ele tinha alguma dificuldade em se concentrar no que quer que fosse pois ora tinha saudades de visitar um determinado sítio para voltar a sentir o cheiro arbitrário que esse sítio lhe provocava, ora tinha uma grande curiosidade e ímpeto para ir à descoberta de outros cheiros, todos eles muito diferentes uns dos outros, como se a sua variedade fosse de facto infinita e por demais inconcebível, de algum modo capaz de se prever ou antever. Mas sabia que sempre que visitava o mesmo lugar lá iria encontrar precisamente o mesmo cheiro. Único. Indescritível. Intenso e magnânimo, verdadeiramente inebriante, mas também singular e único, e de uma arbitrariedade inimaginável.

Pablo era um caso verdadeiramente raro. Era feliz. Onde quer que fosse sabia que lá havia um cheiro guardado. Um mistério. Um infindável mundo de cheiros. Pablo era o homem com olfacto infinito. E era feliz, assim. Repleto de mistério infindável por descobrir e de saudade intensa que o prendia a cada lugar, como se cada lugar fosse um mundo e uma história sem fim por contar.

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