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Não vendemos dados diz Mark Zuckerberg

Marc Zuckerberg, que assume o cargo de presidente executivo da conhecida rede social, foi ouvido e respondeu a questões na comissão de Justiça do Senado (câmara alta do Congresso) esta terça-feira, 10 de abril. O CEO do Facebook chegou à sala de audiências visivelmente nervoso e rodeado de dezenas de fotógrafos.

No início da intervenção, Zuckerberg começou por ler uma versão abreviada do discurso já disponibilizado esta segunda-feira. A mensagem é clara, o homem forte do Facebook pede desculpa: “Fui eu que criei o Facebook, sou eu quem o gere, e sou responsável pelo que lá se passa”.

“Está claro que não fizemos o suficiente para evitar que estas ferramentas fossem, também, utilizadas para causar danos”. E continuou: “Foi um erro crasso e foi meu. Peço desculpa”.

Zuckerberg respondeu em seguida às questões dos Senadores.

O CEO do Facebook começou por dizer que a rede social está a passar por uma “mudança filosófica” e que parte da aprendizagem dos acontecimentos mais recentes prende-se com a necessidade de “ter um papel mais proativo e garantir que as ferramentas são usadas para o bem”, dizendo-se ainda “comprometido” em fazer mudanças e crente de que “as pessoas verão mudanças efetivas” nos próximos anos.

Questionado sobre a capacidade de distinguir discurso de ódio de propaganda ou opinião, Zuckerberg explicou que numa fase inicial a empresa tinha uma postura reativa — os utilizadores denunciavam e a empresa agia em seguida. Atualmente, explica, foram desenvolvidas ferramentas de Inteligência Artificial (IA) que permitem identificar esses problemas. E se no caso da propaganda estas ferramentas são mais eficazes, no que concerne o discurso de ódio, devido às nuances linguísticas, isso é mais difícil. Todavia, o CEO da rede social acredita que “em cinco a dez anos” teremos ferramentas capazes de perceber essas nuances e agir. No entanto, assume, “até ser automático, há uma margem de erro superior à que gostaria”.

No que diz respeito à intervenção de atores estrangeiros em eleições nacionais — em referência à intervenção russa nas eleições norte-americanas de 2016 — Zuckerberg lamentou que o Facebook “tenha sido demasiado lento” a identificar esta ameaça, mas salientou que a empresa agiu no sentido de impedir que voltasse a acontecer no ano seguinte, com eleições de peso na Europa, e que conseguiu desativar “dezenas de milhares” de contas falsas antes que estas pudessem ter um impacto negativo significativo.

Nesta audiência seria impossível passar ao lado do caso Cambridge Analytica. Nesta matéria, o CEO do Facebook justificou o facto de a empresa não ter atuado em 2015, quando teve conhecimento do uso indevido dos dados, porque nessa data a consultora não era anunciante do Facebook, pelo que não havia por onde agir punitivamente. No entanto, depois do intervalo na sessão, o CEO corrigiu esta informação assumindo que a Cambridge Analytica foi efetivamente um anunciante em 2015 e que a sua empresa “cometeu um erro” ao não agir imediatamente (banindo a Cambridge Analytica), assim como cometeu um erro ao optar por não informar imediatamente os utilizadores visados. Além disso, o CEO assumiu que a Cambridge Analytica partilhou os dados obtidos com outras empresas. Está em curso uma investigação para apurar a real extensão deste problema.

Ainda sobre este tema, questionado sobre se funcionários do Facebook colaboraram com  a campanha de Donald Trump e com a Cambridge Analytica em 2016, Zuckerberg disse que este acompanhamento se restringiu a questões relacionadas com anúncios e publicidade, como acontece com outras empresas ou entidades. Todavia, mostrou-se disponível para apurar se esta colaboração teve outros contornos.

Questionado sobre se era possível identificar o estado norte-americano a que pertenciam os utilizadores do Facebook visados pela Cambridge Analytica — isto porque a corrida presidencial entre Donald Trump e Hillary Clinton foi muito renhida — Zuckerberg referiu que nesta fase não tem essa informação, mas mostrou-se disponível para a fornecer.

Já sobre o polémico memorando interno de Andrew Bosworth — em que o vice-presidente do Facebook assumiu que reconhecia o perigo das ferramentas do Facebook, mas que o dever de ligar pessoas era imperativo — Zuckerberg deixou claro que “não concordou” com esta nota interna, assim como a maioria dos funcionários da empresa. E porque não o despediu? “Senador, nós tentamos gerir a nossa empresa de forma que as pessoas possam dizer a sua opinião internamente”, respondeu.

Na sequência de uma pergunta sobre se estaria disponível para partilhar com o Congresso o hotel onde esteve ontem à noite ou as pessoas a quem enviou mensagem — o que Zuckerberg respondeu negativamente — o CEO da rede social concedeu que “toda a gente deve ter controlo sobre como a sua informação é usada. Acho que isso está explicado nos documentos, mas, mais do que isso, queremos dar poder às pessoas no próprio produto. (…) Sempre que alguém partilha uma foto pode controlar no momento com quem a quer partilhar [na plataforma do Facebook]”.

Zuckerberg acabou por assumir ao longo desta sessão que as tecnológicas “são responsáveis pelo conteúdo” que divulgam, mas salientou que, enquanto sociedade, teremos de discutir as implicações legais e morais de ter ferramentas — nomeadamente com recurso Inteligência Artificial — a agir proativamente e definir qual a responsabilidade das empresas nestas matérias. Ou seja, onde se traça a linha (mais uma vez) entre opinião e discurso de ódio, por exemplo, entre o que deve ou não ser permitido na rede social.

O CEO do Facebook garantiu ainda que quando alguém fecha a sua conta, a rede social apaga efetivamente as suas informações e dados, não adiantando porém com detalhe quando tempo leva a apagar essa informação. “Tentamos fazê-lo o mais depressa possível, sendo que há sistemas complexos, mas tentamos fazer isso o mais depressa possível”, garantiu. Atualmente, é possível suspender uma conta por um período de tempo, e nesse caso os dados podem ser recuperados. Já se a conta for apagada de vez, os dados dos utilizadores são também apagados dos sistemas do Facebook. Todavia, o CEO recorda que se uma fotografia foi partilhada no passado com alguém que mantém a sua conta de Facebook não há garantia de que este conteúdo desapareça da plataforma. Já questionado sobre se estes dados são também apagados por terceiros quando tal acontece, Zuckerberg fez questão de clarificar como funciona o seu serviço de publicidade e que este não implica “vender dados”. A rede social, diz, procura perceber a quem é que um anunciante quer chegar e direciona a publicidade a esses consumidores na plataforma, sem que os seus dados sejam cedidos ou vendidos a uma terceira parte — uma ideia que reforçou por diversas vezes ao longo da sessão.

Questionado sobre se estaria disponível para aplicar uma regra de “opt-in”, ou seja, o utilizador não aceitar termos de partilha dos seus dados por omissão mas proativamente, Zuckerberg não foi perentório, deixando todavia em aberto a possibilidade de se vir a discutir esta alteração. Mas O CEO não conseguiu fugir a esta matéria na segunda parte da sessão, quando o senador Ed Markey insistiu em saber se Zuckerberg apoiaria legislação que obrigasse todas as tecnológicas a pedir permissão afirmativa (e não por omissão) para os que dados dos utilizadores sejam partilhados para fins publicitários ou com terceiros. O CEO tentou esquivar-se, mas perante a insistência, assumiu que “o princípio é correto, mas os detalhes [dessa] lei são importantes”.

Já sobre a possibilidade de os utilizadores terem acesso a toda a informação que o Facebook reúne sobre elas a qualquer momento, o CEO da rede social salientou que tal já é possível na sua plataforma.

O senador Sheldon Whitehouse questionou, já na segunda parte da sessão, o CEO do Facebook sobre os termos e condições da plataforma, criticando o facto de as condições serem apresentadas ao utilizador numa ótica “é pegar ou largar”, não havendo espaço de negociação nesta matéria. Aqui, Zuckerberg assumiu que “os termos e condições são o que são”, mas considerou que “o serviço é determinado pelas pessoas, porque cada um escolhe o quer partilhar”, acrescentando ainda que a plataforma “oferece vários controlos para as pessoas configurarem a sua experiência de utilização” da rede social.

Ainda sobre a questão do controlo da informação, os senadores questionaram Zuckerberg sobre se a utilização da palavra controlo — muito repetida ao longo desta sessão — serve apenas para reforçar a confiança e o sentimento de segurança dos utilizadores no Facebook ou se a rede social é efetivamente segura. “Eu considero que o Facebook é seguro, as pessoas que amo usam-no”, respondeu Zuckerberg, que minutos antes mostrou grande dificuldade em responder de forma específica sobre que tipo de dados é recolhido pela plataforma. Nesta matéria, o CEO limitou-se a dizer que a rede social recolhe dados sobre o que é partilhado na rede social (conteúdo) e dados “relevantes para direcionamento de publicidade” e para “o ranking do feed [página inicial]” de cada utilizador. O homem forte da rede social voltou a reiterar que é o utilizador que escolhe a todo o momento o que deseja ou não partilhar e como o quer partilhar porque, assegura, existem ferramentas que permitem esta personalização — como por exemplo não permitir o reconhecimento facial em fotografias, disse.

De volta ao caso Cambridge Analytica, que tem sido recorrentemente mencionado durante esta audiência, como seria de esperar, Mark Zuckerberg explicou que quando a informação sai dos servidores da empresa é muito mais complexo controlar o que acontece a seguir. Simplificando, o CEO explicou que neste caso específico as pessoas escolheram partilhar os seus dados com uma aplicação, e esses dados foram transferidos do Facebook para essa aplicação. Depois, o programador que detinha essa aplicação decidiu vender esses dados à Cambridge Analytica.

Ainda sobre esta matéria, Zuckerberg assume que o impacto da atividade da Cambridge Analytica está a ainda a ser estudo e comprometeu-se a partilhar essa informação com público à medida que for sendo apurada.

Questionado sobre se as plataformas do Facebook comunicam entre si sem intervenção humana e que tipo de dados partilham — usando como exemplo “se eu mandar uma mensagem por WhatsApp sobre o filme Pantera Negra eu vou passar a ver no Facebook publicidade sobre este filme?” — Zuckerberg limitou-se a responder neste caso específico: “O Facebook não lê o conteúdo das mensagens de WhatsApp” e, logo, se alguém partilhar uma mensagem sobre o filme em causa não passará a ver automaticamente publicidade sobre o mesmo na sua página de Facebook.

Já na segunda parte deste inquérito, Zuckerberg foi perentório a afirmar que o Facebook nunca gravou, que tenha conhecimento, conteúdo de chamadas. Todavia, recentemente, ficou a saber-se que a rede social é capaz de analisar o conteúdo partilhado através da plataforma de troca de mensagens Messenger. Já sobre se o Facebook consegue ouvir o que as pessoas dizem através do microfone dos seus dispositivos e se usa essa informação para enriquecer os dados utilizados em publicidade, Zuckerberg foi categórico ao responder que “não”.

Os temas abordados ao longo da sessão foram vários, e Zuckerberg, como pai, foi questionado sobre comportamentos aditivos relacionados a utilização abusiva de redes sociais.

Sem responder diretamente à questão sobre se o Facebook (e o seu CEO) são demasiado poderosos, Zuckerberg assegurou que não é “o tipo de pessoa que acha que toda a regulação é má” e que face à importância da Internet na vida das pessoas, é um tema que deve ser debatido.

Já sobre a muito debatida questão sobre se o Facebook é uma empresa de media ou uma tecnológica, Zuckerberg disse entender a sua empresa como “uma tecnológica”. “Concordo que somos responsáveis pelo conteúdo, mas não o produzimos. Se sentimos responsabilidade pelo conteúdo que está na nossa plataforma, sim, mas isso não é incompatível com ser uma empresa tecnológica”, respondeu.

Já no fim da sessão, Mark Zuckerberg foi questionado se alguma vez o Facebook foi pirateado e respondeu afirmativamente, em 2013, mas negou que este ataque tenha tido acedido a dados de utilizadores.

Questionado sobre se está confiante de que os passos agora tomados pela plataforma irão garantir que problemas como o do escândalo Cambridge Analytica não voltarão a acontecer, Zuckerberg disse que sim, mas salientou que “a segurança nunca é um problema resolvido”.

O Facebook está no centro de uma polémica internacional associada com a empresa Cambridge Analytica, acusada de ter recuperado dados de milhões de utilizadores daquela rede social, sem o seu consentimento, para elaborar um programa informático destinado a influenciar o voto dos eleitores, nomeadamente nas últimas eleições presidenciais norte-americanas, que ditaram a nomeação de Donald Trump para a Casa Branca, e no referendo sobre o ‘Brexit’ (processo de saída do Reino Unido da União Europeia).

Inicialmente foi avançado que o número de utilizadores afetado rondava os 50 milhões. Dias mais tarde, o Facebook admitiu que o número ascendia aos 87 milhões de utilizadores.

Na sequência deste escândalo, outros órgãos nacionais e internacionais solicitaram a presença de Mark Zuckerberg para prestar esclarecimentos. Foi o caso do Parlamento Europeu e do Parlamento do Reino Unido. Nos dois casos, o convite foi, até à data, recusado.

Na sexta-feira, a Comissão Europeia afirmou ter tido indicações do Facebook que dados de “até 2,7 milhões” de utilizadores daquela rede social a residir na União Europeia poderiam ter sido transmitidos de “maneira inapropriada” à empresa britânica Cambridge Analytica.

 

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