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Fernando Pessoa em Berlim

Ondas e gaivotas entram no auditório do Instituto Ibero-Americano de Berlim, transformando-o no “Mar Português”. Este é um dos vários poemas de Fernando Pessoa recitados por Vasco Esteves e musicado por Daniel Pircher.

Ainda antes de se ouvir a voz de Vasco Esteves, já o som do mar enrola o público, porque “não há nada mais português que o mar”, desabafa o ator português. É uma espécie de introdução a uma iniciativa que junta leitura, música, sons e “qualquer coisa” de teatro.

A viver em Berlim há praticamente cinco décadas, conta que as leituras de Fernando Pessoa começaram “mais ou menos por acaso”, em 2013. Depois, Vasco Esteves decidiu acrescentar outro toque.

“Há cerca de três anos pensei que valia a pena melhorar, juntar a música, porque a poesia de Pessoa é muito profunda, muito meditativa, não se pode consumir rapidamente. Por isso pensei em juntar pausas com música, música sem texto”, explica Vasco Esteves.

Tentou contactar músicos portugueses, e Daniel Pircher, que nasceu na Áustria, mas viveu vários anos em Portugal, disse logo que sim.

“Foi uma oportunidade de integrar, pela primeira vez, um projeto português e poder fazer música sozinha, sem letra por cima. Não é música portuguesa, mas combina muito bem com a poesia de Fernando Pessoa”, conta o músico.

Há poesia em alemão, em português, pausas com música, história de Fernando Pessoa e sons criados pelo próprio Daniel Pircher.

“A leitura é feita sobretudo em alemão, porque a maioria das pessoas que aparece é alemã, e mesmo os portugueses ou brasileiros que vêm, falam alemão. Mas, ao mesmo tempo, não queria perder a sonoridade do português, por isso leio sempre poesia original”, revela Vasco Esteves.

Maria de Lurdes Schlemmer segura o papel com o programa. Veio com o marido alemão. A viver há 46 anos na Alemanha, confessa que o português já nem sempre sai fácil. Ocupa uma das filas da frente.

“É a terceira vez que assisto a uma leitura do Vasco, não só porque gosto de Fernando Pessoa, mas também porque gosto da forma como ele o consegue ler”, admite esta portuguesa.

“Os alemães vêm, e vão agradecidos”, realça o ator, que trabalhou vários anos como matemático e informático.

“O ‘feedback’ é muito bom, as pessoas gostam da minha maneira diferente de dizer as coisas, mais emocional, um pouco teatral. A maior parte das leituras aqui na Alemanha é chata, monótona”, conta Vasco Esteves que acrescenta, entre risos, que, com ele, “as pessoas não vão adormecer de certeza”.

O objetivo deste projeto, que deverá passar a chamar-se “O.Mar”, é “divulgar a cultura portuguesa, sobretudo a poesia portuguesa, na Alemanha”.

“O Fernando Pessoa é simplesmente extraordinário, é uma pessoa mística, apaixonante, que eu gosto desde a minha juventude. Além disso, é o nosso maior poeta dos tempos modernos, da literatura portuguesa”, sublinha Vasco Esteves.

A colaboração entre o ator português e o músico austríaco correu bem desde o princípio, assegura Daniel Pircher: “Acho que não foi difícil. Esta colaboração é muito interessante para mim, desde ouvir os poemas, a poder brincar com os sons. Vou experimentando sempre coisas novas, novos ruídos, novas músicas, tentamos sempre melhorar e acrescentar coisas.”

“Portugiesiches Meer” (“Mar Português”, de Fernando Pessoa), “Bin ich mehr Wert als eine Blume” (“O quê? Valho mais que uma flor”, do heterónimo Alberto Caeiro) ou “Tabakladen” (“Tabacaria”, do heterónimo Álvaro de Campos”) são alguns dos poemas escolhidos.

“A maior parte dos excertos que leio são retirados de livros com traduções oficiais, mas também adapto algumas partes. Desta vez tenho uma tradução que é só minha, do poema ‘Às vezes, em sonho triste’. Foi difícil, até pedi à minha mulher e alguns amigos alemães para darem a sua opinião, e cada um ia para um lado diferente”, explica Vasco Esteves.

Esta foi a sétima vez que o ator português e o músico austríaco se uniram para este projeto. A iniciativa, que decorreu no Instituto Ibero-Americano na sexta-feira à noite, juntou, entre outros, académicos, estudantes de português e amantes da escrita de Fernando Pessoa.

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