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“Ernestina” de J. Rentes de Carvalho

Ficha técnica

TítuloErnestina

Autor – J. Rentes de Carvalho

Editora – Quetzal Editores

Páginas – 317

Opinião

Entrei no mundo de mais um autor português pela porta grande. Decidi seguir as sugestões do cunhado mais novo e de colegas de trabalho e escolhi Ernestina como “passe de livre-trânsito” para aceder e mergulhar nas histórias e na escrita de um autor que tal, como eu, veio ao mundo na cidade de Vila Nova de Gaia e viveu uma infância saltitando da casa dos pais para a casa dos avós, de cozinhas enevoadas de fumo e povoadas de mesas, bancos e cadeiras desconjuntadas para eiras onde se secava o milho, o feijão e de tanques “fundos como piscinas” para campos recém-lavrados e cuja lisura se assemelhava a colchões fofinhos, perfeitos para um número infindável de cambalhotas!

Nasci quase meio século depois de Rentes de Carvalho. Não tenho, como é óbvio, recordações iguais às suas. Mas junto-me a ele, aceno em concordância e sorrio quando fala com enlevo do impacto que causa a vista que temos da cidade do Porto a partir de Gaia, regresso à infância e relembro a azáfama nos dois tabuleiros da ponte Luís I, os autocarros cor-de-laranja da STCP, a alegria infinita que me percorria todinha quando a minha mãe me levava ao Porto, a percorrer as ruas da Baixa em busca de umas calças ou de um casaco ou a familiaridade que me fazia sentir dona de tudo quando, já universitária, saltitava da Praça da Batalha, da Rua 31 de Janeiro para a Rotunda da Boavista ou para Rua do Campo Alegre ou me aventurava até à Foz.

Tal como J. Rentes de Carvalho, nasci em espaço urbano, mas passei quase toda a minha infância no meio de campos, animais, uvas, milho, batatas, pinhais, terra. Cresci despreocupada, rodopiando entre a cozinha da avó, as casas de tios e o campo. Fui amada no meio de gente que não sabia ler, mas que me parecia ter toda a sabedoria do mundo. Levei tabefes, comi numa cozinha onde reinava o fogão a lenha, o fumo e gatos que nasciam uns atrás dos outros. Em resumo, tal como Rentes de Carvalho, não trocaria a minha infância por nenhuma deste mundo, porque a desfrutei de forma saudável (apesar do pó, da terra e do fumo), pura, tranquila e na companhia de uns avós que ainda hoje me fazem uma falta tremenda.

Sendo assim, por tudo o que mencionei, não se torna difícil adivinhar que esta leitura foi especial. Foi especial não só pelo conteúdo da narrativa, mas igualmente pela forma como o autor nos conta muitas etapas da sua vida e da vida dos seus. Num estilo, numa prosa despreocupada, fluída, humorística e sem qualquer tipo de renitências, em Ernestinaentramos, como se hóspedes muito bem-vindos fôssemos, no dia-a-dia da família do seu autor, antes e depois de ter nascido e compreendemos que Rentes de Carvalho é como qualquer um de nós, que a sua família, a sua vida, as suas recordações são iguais a tantas outras.

Não há muito mais a dizer. Foi uma leitura especial, emocional, que despoletou saudades, nostalgias, sorrisos e um grande orgulho por ser de onde sou e por ter tido uma infância mágica!

Recomendo. Leiam Ernestina e conheçam Rentes de Carvalho!

NOTA – 09/10

Sinopse

Ernestina é mais do que um romance autobiográfico ou um volume de memórias de famílias ficcionadas. É um fresco de Trás-os-Montes, dos anos 1930 aos anos 1950, um romance que transcende o relato regionalista e que transpôs fronteiras, transformando-se num fenómeno editorial na Holanda.

Ernestina é também o nome da mãe do autor e da intrépida protagonista deste livro. Sobre ela, J. Rentes de Carvalho disse: «Mãe de um só filho, a sua vida, que foi uma de tristeza, amargura e terrível solidão, dava um livro. Escrevi-lho eu. E a sua morte quebra o último elo carnal que me ligava à terra onde nasci. Felizmente são ainda muitos os laços que a ela me prendem.»

in O sabor dos meus livros

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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