De que está à procura ?

Colunistas

As “Initial Coin Offerings”, as cripto-moedas e o IVA

© DR

A problemática quanto à forma de tributação das operações que envolvem produtos virtuais, designadamente no domínio do cripto-moedas e blockchain, tem vindo a ocupar a Administração tributária, particularmente sob a forma de resposta a Pedidos de Informação Vinculativa solicitados por contribuintes.

À semelhança das questões colocadas quanto à sujeição ou não sujeição dos rendimentos com origem na venda de Bitcoins que estiveram na base da Informação Vinculativa emitida em 27 de Dezembro de 2017, a Administração tributária foi, agora, questionada quanto à sujeição a IVA das transmissões de bens que envolvam produtos virtuais, “comercializados”, exclusivamente, através da internet, sem qualquer tipo de correspondência material, nomeadamente no contexto de criptomoedas e de uma Initial Coin Offering (ICO).

Initial Coin Offerings

O Pedido de Informação Vinculativa surgiu no âmbito de um Initial Coin Offerings, isto é, a emissão de cripto-moeda, por um lado, para efeitos de financiamento de uma empresa, e por outro lado, em troca de um Token que pode assumir diversas características e, em especial no blockchain Ethereum, permitir a construção e celebração de smart contracts com características de auto-executibilidade.
Embora os ICO possam assumir diversas formas, como evidenciam os múltiplos ICO efectuados por todo o mundo no passado recente, e sem prejuízo das relevantes questões regulatórias, que habitualmente se suscitam, conforme frisa a European Securities and Markets Authority, os Tokens podem ser categorizados de diversas formas (ainda que uma categorização não afaste, necessariamente, outra categorização).

Designadamente, devem ser salientados:
– Currency ou Value Tokens, quando se assemelham a uma moeda fiduciária, designadamente, quando pretendem, mais estritamente, representar o valor dessa moeda e servir como eventual meio de troca (e.g. Bitcoin);
– Securities Tokens e Equity Tokens, quando o smart contract versa sobre instrumentos financeiros e valores mobiliários representativos de capital próprio e alheio, podendo assumir a forma de instrumentos financeiros, incluindo derivados e, tem servido, frequentemente, como “veículo” para mimetizar um Initial Public Offering (Ofera Pública Inicial) em plataformas blockchain;
– Utility Tokens, quando a sua emissão não implica a concessão de direitos para além da propriedade do próprio Token, podendo, por um lado, admitir o acesso a um produto ou a um serviço da empresa (e.g. um Usage Token) ou a permissão para contribuir e participar em certo labor (e.g. Work Token, normalmente associado a aplicações e serviços descentralizados) mas, também, por outro lado, admitir a sua venda em mercado (também frequentemente emitidos no âmbito de um ICO); e
– Asset Tokens, quando corresponde a um activo físico subjacente (e.g. ouro ou um imóvel).

O Pedido de Informação Vinculativa formulado

Neste quadro, no que respeita ao Pedido de Informação Vinculativa formulado, o produto virtual em causa, designado por Token, foi descrito como sendo similar às Bitcoins, com a particularidade de ser construído em cima do, já existente, blockchain Ethereum, que oferece potencialidades distintas das do blockchain Bitcoin. Embora a informação publicada seja, a este respeito, particularmente parca, o Token em consideração parece assemelhar-se, no âmbito da caracterização esboçada, a um Utility / Usage Token.

As questões abordadas

Atentas as características intrínsecas do produto em causa e da forma como o mesmo será comercializado foi suscitada a análise quanto ao enquadramento de tais operações em sede de IVA, em especial:
– a possibilidade de a transmissão de Tokens, tal como enquadradas no Pedido de Informação Vinculativa, poder beneficiar da isenção prevista para as divisas com valor liberatório;
– o conceito e consequências, para efeitos de IVA, das prestações de serviços por via electrónica; e
– a obrigatoriedade de inscrição no Mini-Balcão Único, conhecido abreviadamente por MOSS.

O Enquadramento fiscal da administração tributária

I. A isenção em sede de IVA
De acordo com o entendimento veiculado pela Administração tributária, as operações que têm por objecto a transmissão de Tokens são consideradas, nos termos gerais previstos no Código do IVA, como uma transmissão de bens a título oneroso e, nessa medida, sujeita ao princípio geral de tributação que abrange todas as prestações de serviços e transmissões de bens efectuadas a título oneroso.
Não obstante tal conclusão, e na sequência do entendimento perfilhado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no Processo (n.º C-264/14) conhecido por caso Hedqvist, emitido a propósito da transmissão de Bitcoin, a Administração tributária considera que, sendo, na perspectiva da Administração tributária, um Token um produto similar às referidas Bitcoin, se o mesmo for aceite pelas partes enquanto meio de pagamento alternativo, e não tendo qualquer outro fim que não o de funcionar enquanto tal, é-lhe aplicável a isenção prevista para as transmissões que tenham por objecto divisas com valor liberatório.
A este respeito, segundo nos parece, é importante alguma cautela interpretativa no que respeita à caracterização e à percepção da finalidade dos Tokens, o que, tanto quanto nos parece, também, exige uma análise casuística. Com efeito, no Acórdão Hedqvist reconhecia-se que a cripto-moeda aí em análise “não t[inha] outras finalidades senão servir de meio de pagamento”.
A Administração tributária clarifica, ainda, que a aplicabilidade da isenção poderá ser extensível aos demais Estados da União Europeia, atenta a harmonização existente em matéria de IVA.

II. Localização das Prestações de Serviços por Via Eletrónica
A par do entendimento relativo ao enquadramento no âmbito do regime de isenção da transmissão onerosa de Tokens, a Administração tributária clarificou qual o local onde se consideram localizadas as prestações de serviços efectuadas por via electrónica.
Através da Informação Vinculativa agora emitida, a Administração tributária clarificou que as transmissões efectuadas por via electrónica se consideram localizadas no Estado de residência do adquirente, quando o destinatário seja um consumidor final domiciliado na Comunidade (não sujeito passivo para efeitos de IVA) – B2C e, bem assim, nas situações em que este seja um sujeito passivo de imposto, também domiciliado na Comunidade – B2B – , independentemente, do Estado em que se localize o prestador do serviço.
Já no caso de os referidos serviços serem prestados a não sujeitos passivos, estabelecidos fora da Comunidade, as correspondentes prestações não serão consideradas localizadas no território da Comunidade. Não obstante, alguns serviços prestados por via electrónica prestados a adquirentes estabelecidos fora da Comunidade, são tributados no território nacional quando aqui forem efectivamente utilizados e o prestador estiver estabelecido neste território.

III. O Regime do IVA do Mini-Balcão Único (MOSS)
Ficou, também, clarificado na referida Informação Vinculativa que, no âmbito das prestações de serviços por via electrónica, nas quais o adquirente seja consumidor final (não sujeito passivo para efeitos de IVA), a obrigação de proceder à liquidação do imposto cabe sempre ao prestador, ainda que a operação se localize no Estado de residência do adquirente.
Nestas situações, e no caso de o Estado de residência do prestador ser distinto do Estado de residência do adquirente, estando, contudo, ambos domiciliados na União Europeia, o prestador poderá optar pelo seu registo no âmbito do MOSS.
O registo no MOSS permite que o prestador de serviços possa cumprir as suas obrigações tributárias nos diversos Estados da União sem que tenha que se registar em cada um deles.

Comentários finais

Com a emissão desta Informação Vinculativa, a Administração Tributária esclarece a sua posição quanto ao enquadramento fiscal aplicável, em sede de IVA, ao produto da “moeda” virtual, sendo que, até ao momento, a sua posição conduz à aplicação de uma isenção, quer no âmbito da tributação do rendimento decorrente das mais-valias obtidas na venda, em certas circunstâncias, de cripto-moeda, quer no que respeita à tributação do consumo, como agora informa a Administração tributária.

Lisboa, 10 de Maio de 2018
Rogério M. Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Jorge S. Lopes de Sousa
Soraia João Silva

RFF Advogados

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA