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Alberto: e tudo o casino levou…

Ninguém tem tudo para ser feliz, mesmo aqueles a quem parece não faltar nada.

 

Alberto enfia o avental com a mesma destreza que uma velha enfia o saioto pela cabeça até o ajustar na cintura.

Visto pelos meus olhos é esta a imagem que desfila no meu pensamento. Justifico-me a mim mesmo do absurdo da comparação pelo facto de que Alberto é de estatura baixa, meio atarracado, de gestos lentos, mas precisos. São todos os condimentos que necessito para a comparação. Entre a saia da velha e o avental do Alberto, as semelhanças são tão parecidas como diferentes. No entanto, entre os gestos de um e do outro há ali uma espécie de nuance de similaridades que levam o meu cérebro a captar numa mesma imagem, a comparação.

A tira de cima do avental presa nas pontas e que assenta no seu pescoço curto e cachaçudo, e as outras duas tiras que ajusta ao fundo das costas com um laço, completam-se com um gesto desinteressado e um olhar distante e quase perdido, numa espécie de túnel de entrada para o vazio, posto entre si e o frigorífico metalizado mesmo à frente dos seus olhos, mas que não vê. Passa quase despercebido à maior parte das pessoas, mas eu sei que um olhar assim grita num silêncio absurdo e difícil de calar problemas que Alberto não consegue resolver.

O avental é a sua farda principal de trabalho, composto por umas calças axadrezadas entre quadrados brancos e pretos. A touca que envolve na cabeça, completa o uniforme. Alberto é cozinheiro de profissão.

Tem um sorriso largo e barulhento e uma piada sempre pronta, mas o seu olhar denota uma tristeza mal disfarçada. Alberto é viciado no jogo e o casino é a sua prisão voluntaria para onde o vício o atrai como uma morrinha, disfarçado numa falsa esperança que sempre se torna numa grande desilusão, num desencanto pela vida, tão intenso quanto o tempo que dura a falsa esperança a levá-lo uma e outra vez para a mesma degradação. Albert Einstein chamava a isto insanidade e definia-a como uma obsessão de fazer a mesma coisa uma e outra vez esperando resultados diferentes.

Seria despropositado dizer que Alberto tem tudo para ser feliz.

Ninguém tem tudo para ser feliz, mesmo aqueles a quem parece não faltar nada.

O ser-humano é uma espécie insatisfeita. Às vezes o que tomamos por garantido, há sempre alguém que reza fervorosamente para o ter, e se aos olhos dos outros lhes parece que temos tudo, do tudo que temos o pouco que nos falta é tão importante, tão significativo que sempre nos parece que não temos nada.

Somos assim, complicados e sempre às voltas a tentar encontrar e perceber realmente o nosso verdadeiro propósito na vida. Às vezes as coisas que estão mesmo debaixo do nosso nariz são as mais difíceis de ver e encontrar.

É sábado à noite e Alberto sabe que pelo menos nas próximas três horas vai ter uma correria na cozinha, tão ávida e tão intensa, que pelo menos naquelas horas muitos dos problemas que o afligem vão ficar esquecidos num canto do seu cérebro até que a oportunidade surja para voltarem a atacar. A correria não é sua, mas de todos os que trabalham à sua volta. Ele, como chefe, mas acima de tudo como profissional, não precisa de correr porque entre tachos e panelas, carnes e peixes, batatas arroz e vegetais, é como dirigir uma orquestra que toca afinadíssima ao comando da sua batuta.

Vai ser uma noite intensa de trabalho, e ele, como profissional que é vai espalhar boa disposição e alegria para que tudo corra de maneira suave, rápida, e eficiente, refletindo-se na satisfação do cliente e na maneira como foi servido, em sabor e aroma, em simpatia e profissionalismo. No fim da noite Alberto recebe elogios, o respeito e admiração dos clientes, respeito e admiração de todos os que trabalharam consigo.

Depois de tudo arrumado, a farda pendurada para a semana seguinte à espera da sua rotina de sempre, Alberto sabe que não deve, não pode, mas o ordenado que no bolso faz febre, a esperança de o dobrar ou triplicar, aquela ansiedade que lhe bloqueia o raciocínio lógico e a razão, vão puxá-lo para o casino.

A esperança, a euforia e a espécie de adrenalina com que, depois de uma noite intensa de trabalho, se dirige para o casino, irá contrastar com a tristeza, a revolta contra si mesmo, o desânimo, o desespero e a desesperança, com que do casino regressa (…)

(continua)

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