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After sun

Pés com areia e o sal colado na pele. Aquela sensação desconfortável no corpo, mas aconchegante na mente. Limpar a areia antes de entrar em casa, ou não, se a mãe não vir. Trocar os calções molhados e pendurar a toalha a secar. Uma ligeira culpabilização por me sentir cansado e com vontade de dormir. Acabo de chegar da praia.

Sou adepto do Verão. Mais do que do Inverno. Desculpem-me os amantes do frio e da neve, mas considero-me mais próximo da fação do calção e chinelo do que daquela da manta e lareira. Para mim, não existe calor a mais, nem sol demasiado forte. De mim para mim mesmo, penso muitas vezes que podia ser Verão o ano inteiro. Aqueles instintos egoístas que todos temos.

Voltando à praia, nos últimos tempos, tenho andado um tanto ao quanto preocupado. Ao contrário de todas as outras pessoas no mundo, eu não tenho a minha praia. Todos têm. Alguns vão mais longe e, dentro da sua praia, têm o seu sítio. Passam-no de geração em geração. Quem nunca ouviu de um amigo ou familiar a frase “já os meus avós faziam praia aqui”? Acho que o deixam em testamento. “Casa de família da Eira, relógio de cuco do século XIX, serviço de porcelana da Vista Alegre e 10m² na praia do Marreco, cinco passos para sul do conjunto de rochas que desaparece com a maré cheia”.

Existirão poucos sítios no mundo mais abrangentes que uma praia e que reúnam um consenso tão grande. Pobres ou ricos, do Norte ou do Sul. Cada um à sua maneira e cada um com o seu conceito, ninguém hesita na hora de pisar a areia. Na praia, não há pulseiras para entrar, entradas para pagar, ou nomes para colocar na guest list. Aqui, tudo é personalizável. Cada um faz a praia que quer. Eu cá, nunca vou para a praia. Porém, quase todos os dias vou lá. Pode não parecer, mas a diferença é grande. Para mim, as praias deviam ter na entrada aquela frase dos anúncios das bebidas alcoólicas. Consumo-as com moderação. Às bebidas nem tanto.

Chinelos, calções, toalha e livro debaixo do braço. Ir, estar, ver e voltar. Uma, duas horas e, para mim, já chega. Admiro aqueles, quais heróis da estância balnear, que vão com tudo e por lá ficam. Acordar cedo, preparar a comida, os sacos e o mais que possa dar jeito. Se correr como planeado, volta-se a casa já sem sol, mas com um escaldão e uma coleção de conchas.

Outro ponto que me é relativamente surpreendente, é o privilégio de que a praia goza. Fica bem para tudo. Uma festa de aniversário na praia, um casamento na praia, até um funeral na praia. Todos serão tidos como lindíssimos. Praia de manhã, praia depois de almoço e, a joia da coroa, pôr do sol na praia. Que fique bem claro que a culpa não é do sol. Certamente já experimentou a excitação de “ir à praia à noite”! Não há ninguém que não tenha passado momentos marcantes com os pés descalços na areia. A praia é o verdadeiro e literal lugar comum.

Seis meses depois, quando voltei do Luxemburgo, uma das primeiras coisas que as pessoas me diziam, era “deves ter sentido imensa falta do mar”, ou então, “já devias estar com saudades da praia”. Talvez tenham alguma razão. Entre a praia, os amigos, o mar e os familiares, as saudades estavam ali todas taco a taco. E a sorte é que a praia não faz um arroz de cabidela como o da minha mãe!

Já que estou no campo gastronómico, é de salientar que ninguém entra num restaurante sem clientes. O número de pessoas é o barómetro dos restaurantes. No entanto, um dos estilos de praia mais valorizados é, pois claro, a praia deserta. Eu próprio, sou capaz de gastar três quartos do depósito de combustível, andar meia hora a pé, fazer escalada pela falésia íngreme, qual Indiana Jones, só com o intuito de, mais tarde, poder afirmar que estive numa praia sem ninguém. Depois, é ver a cara de inveja dos meus interlocutores enquanto tomam notas do caminho para, também eles, poderem desfrutar desse local sagrado que é uma praia deserta.

Na realidade, a praia é um dos principais temas de conversa um pouco por toda a parte. Mesmo no Inverno, recordam-se esses dias grandes com a ajuda de completíssimas reportagens fotográficas e conta-se, àqueles com quem não tivemos oportunidade de passar esses momentos, as praias para onde fomos e, mais importante, aquelas para onde pensamos ir no ano seguinte.

Por agora, apesar de já ter passado a época da praia em modo integral, ainda é tempo de aproveitar até ao último raio de sol e até à última onda do mar, mesmo que este pareça acabado de descongelar. Pelo que acabo de escrever, pode parecer que estou um bocado farto da praia. Talvez esteja. Mas isso passa daqui a cinco minutos. Mais cinco e já estou a pensar a que horas irei para lá amanhã.

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